sábado, 22 de setembro de 2012

Dois poemas de Francis Ponge




A BORBOLETA 

Quando o açúcar elaborado nos talos surge no fundo das flores, como em xícaras mal lavadas - um grande esforço se produz no solo de onde, súbito, as borboletas alçam voo.

Porém, como cada lagarta teve a cabeça ofuscada e enegrecida, e o torso adelgaçado pela verdadeira explosão de onde as asas simétricas flamejaram,

Desde então, a borboleta errática só pousa ao acaso do percurso, ou quase isso.     

Fósforo voejante, sua chama não é contagiosa. E, além do mais, ela chega muito tarde e pode apenas constatar as flores desabrochadas. Não importa: comportando-se como acendedora de lâmpadas, verifica a provisão de óleo de cada uma. Pousa no cimo das flores o farrapo atrofiado que carrega, e vinga assim sua longa humilhação amorfa de lagarta ao pé dos caules.

Minúsculo veleiro dos ares maltratado pelo vento como pétala superfetatória, ela vagabundeia pelo jardim. 


A MIMOSA 
(excerto)

Sobre um fundo azul, aqui está ela: como um personagem da comédia italiana, com uma pitada de histrionismo estrambótico, empoada como Pierrô, com gravata de bolinha amarelinha, a mimosa.

Mas não se trata de um arbusto lunar: é antes solar, multissolar...

Um caráter de uma ingênua gloriazinha, logo desalentada.

Cada grão não é de modo algum liso, mas formado de pêlos aveludados; um astro, se preferirem, estrelado ao máximo.

As folhas têm um quê de grandes plumas, e no entanto muito carregadas de si próprias; mais enternecedoras portanto que outras palmas, e por isso também bastante distintas. E no entanto há qualquer coisa de realmente vulgar na idéia de mimosa; é uma flor que acaba de se tornar vulgarizada.

Como em tramaga há trama, em mimosa há mimo.


Francis Ponge nasceu no dia 27 de março de 1899 em Nîmes, sul da França. Estudou Direito e Filosofia. No início dos anos 1920 integrou a revista Le Mouton Blanc, onde publicou seus primeiros poemas curtos e satíricos. Já na famosa editora Gallimard, Jean Paulhan foi responsável pela publicação dos três primeiros livros do poeta: Douze petits écrits (1926), Le parti pris des choses (1942) e Proêmes (1948). Autor de vasta obra e admirado por extensa parte dos intelectuais franceses, como Jean Paul-Sartre, quem cunhou o conceito de “fenomenologia poética” a partir da obra de Ponge. O poeta morreu em 6 de agosto de 1988 em Le Bar-sur-Loup.

* Tradução do primeiro poema de Adalberto Müller; do segundo, dele em parceria com Carlos Loria.

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