segunda-feira, 4 de abril de 2011

Três poemas de Manuel Antônio de Almeida



A UMA JOVEM ESPANHOLA

És tão mimosa e tão bela,
Como a estrela,
Que desponta rutilante,
E que se mira luzente
Na corrente,
Que retrata deslumbrante.

És airosa, qual palmeira
Que altaneira
Sua coma eleva ao ar,
ou qual batel enfunado,
Que apressado
Desliza à face do mar.

Esses teus olhos brilhantes,
Fulgurantes
Tem um quê, que diz - amor -;
Eu que os buscava evitar
Sem pensar
Me queimei no seu calor.

Esses lábios teus corados,
Engraçados,
E teus dentes de marfim,
São dotes que te invejara
O mais lindo Querubim.

A ti, virgem tão formosa,
Tão donosa
Votei santo e puro amor;
E tu serás insensível,
Impassível
Aos votos do Trovador?

Ah! não o sejas, Deidade,
Tem piedade
Deste mísero cantor;
Com teus olhos tão brilhantes,
Fulgurantes
Dá-lhe doce olhar de amor;

Com teus lábios tão corados,
Engraçados,
Dize um - sim - que lhe dê vida,
E serás na lira amada
Decantada
E no seu peito querida.


O MORRER DA VIRGEM

Já viste alguma vez ao romper d'alva
Da lua que se esconde no ocidente
Os derradeiros pálidos reflexos
Que se apagam no mar?...

Ouviste alguma vez no fim da tarde,
Já quando vem caindo a muda noite
Do sabiá o canto que se extingue,
Nos ramos da palmeira?...

Já viste um lírio branco na campina
Crestado ao forte ardor do sol estivo,
Triste exalar o derradeiro eflúvio
Do seu odor suave?...

- Do astro o raio tênue que se apaga
Sem deixar um vestígio à flor das águas,
Da ave e triste canto que se perde
com os vapores da tarde,

E o perfume da flor que se esvanece
No meio da campina, são imagens
De casta virgem inocente
No seu primeiro amor!...

E assim a vi morrer... e assisti-lhe
Aos preciosos últimos momentos...
E neles eu bebi porção bem grande
De bem doce poesia!...

Foi seu último olhar o raio frouxo
Do astro a sepultar-se no ocidente;
Seu último pensar foi qual o canto
Do sabiá do vale,

E o extremo suspiro que escapou-lhe
Da linda boca que sorria à morte
Foi doce extremo aroma que exalara
A bela flor do prado!

- Seu derradeiro olhar eu trago n'alma
Seu último pensar trago na mente,
E o extremo suspiro perfumado
Guardo dentro do peito!...

A capela de rosas que adornou-lhe
A linda fronte, quando o belo corpo
Foi esconder-se na profunda terra,
Eu p'ra mim a tomei!

Com ela engrinaldei a triste lira
E vim sentar-me junto ao seu sepulcro
E daqui fui soltando os tristes carnes
Que a triste me inspirou!...


AMOR DE CRIANÇA

Era um amor de criança
Puro como a luz! Que amor!
Que perfume de inocência
Daquela alma aberta em flor!
Inda era um anjo... pecou
No momento em que me amou!

Aquele amor foi a crença
Mais doce da minha vida;
Tive outras depois... nenhuma
Chorarei de ver perdida.
Enquanto dure a lembrança
Daquele amor de criança!

Quando ela me via triste
A olhá-la estático e mudo
Tinha dó de mim, e aflita
Jurava por Deus, por tudo,
Amar-me sempre... mentia,
Mas sua alma é que a iludia!

Uma vez de fatigada
Junto a mim adormeceu;
Entre um beijo e um sorriso
Um sonho me prometeu,
Mas quando voltou à vida...
De tudo estava esquecida...

Do roto colar as pérolas
Procurei ver se juntava;
Quis colher na brisa a flor
Que esfolhando-se voava...
O amor que um riso criara
N'um leve sonho acabara!

Inundei-lhe as mãos com pranto
Que a dor funda me arrancava;
Sorriu-se... já não sabia
Que por amor se chorava!
Perdi de todo a esperança:
Já não era mais criança.


Manuel Antônio de Almeida nasceu a 17 de novembro de 1830 no Rio de Janeiro. Ficou reconhecido como o autor de Memórias de um sargento de milícias. Em 1991, com a publicação de sua Obra dispersa por Bernardo de Mendonça, encontramos uma série de outros trabalhos do escritor, incluindo suas aventuras pela poesia, gênero com o qual estreou na literatura. O escritor morreu num naufrágio na costa do Rio de Janeiro, próximo a Macaé, em 28 de novembro de 1861.

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