segunda-feira, 28 de março de 2011

Dois poemas de Antero de Quental





Aparição

Um dia, meu amor, (e talvez cedo,
Que sinto estalar-me o coração!)
Recordarás com dor e compaixão
As ternas juras que te fiz a medo…

Então, da casta alcova no segredo,
Da lamparina no trêmulo clarão,
Ante ti surgirei, espectro vão,
Larva fugida ao sepulcral degredo…

E tu, meu anjo, ao ver-me, entre gemidos
E aflitos ais, estenderás os braços
Tentando segurar-te aos meus vestidos…

— “Ouve! espera!” — Mas eu, sem te escutar,
Fugirei, como um sonho, aos teus abraços
E como fumo sumir-me-ei no ar!


A um poeta

Tu, que dormes, espírito sereno,
Posto à sombra dos cedros seculares,
Como um levita à sombra dos altares,
Longe da luta e do fragor terreno,

Acorda! é tempo! O sol, já alto e pleno,
Afuguentou as larvas tumulares...
Para surgir do seio desses mares,
Um mundo novo espera só um aceno...

Escuta! é a grande voz das multidões!
São teus irmãos, que se erguem! são canções...
Mas de guerra... e são vozes de rebate!

Ergue-te pois, soldado do Futuro,
E dos raios de luz do sonho puro,
Sonhador, faze espada de combate!


Antero de Quental nasceu a 18 de abril de 1842 em Ponta Delgada. O poeta teve um papel importante em vários movimentos literários portugueses de seu tempo: fundou em Coimbra a Sociedade do Raio; esteve envolvido na Questão Coimbrã; formou o grupo Cenáculo, de que fizeram parte, entre outros, nomes como Eça de Queirós e Ramalho Ortigão. Publicou Odes modernas (1861) e Sonetos completos (1886), obras continuamente reeditadas. Foi colaborador em várias publicações como A Esperança, Renascença, O Pantheon, Branco e negro e Contemporânea. O poeta suicidou-se a 11 de setembro de 1891. 


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