sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Euclides da Cunha, o poeta segundo Augusto de Campos


Ilustração: Andrés Sandoval (detalhe)

DODECASSÍLABOS 

Estala na mudez universal das coisas
estrídulo tropel de cascos sobre pedras
e naquela assonância ilhada no silêncio
o cataclismo irrompe arrebatadamente.

O doer infernal das folhas urticantes
corta a região maninha das caatingas
fazendo vacilar a marcha dos exércitos
sob uma irradiação de golpes e de tiros.

Por fim tudo se esgota e a situação não muda,
lembrando um bracejar imenso, de tortura,
em longo apelo triste, que parece um choro.

Num prodigalizar inútil de bravura
desaparecem sob as formações calcáreas
as linhas essenciais do crime e da loucura.


OS CRENTES

Não inquiriram para onde seguiam.
E atravessaram serranias íngremes,
tabuleiros estéreis e chapadas rasas
na marcha cadenciada pelo toar das ladainhas
e pelo passo tardo do profeta...


TOCAIA

Dentre as frinchas,
dentre os esconderijos,
dentre as moitas esparsas, aprumados
no alto dos muramentos rudes,
ou em despenhos ao viés das vertentes
— apareceram os jagunços,
num repentino deflagrar de tiros.
Toda a expedição caiu, de ponta a ponta,
debaixo das trincheiras do Cambaio.


Euclides da Cunha nasceu a 20 de janeiro de 1866, em Cantagalo. Militar e logo destacado jornalista, cobriu o desfecho do conflito de Canudos, acontecimento que favoreceu a publicação de seu principal livro, Os sertões. Além de várias outras expressões da prosa, também escreveu poesia; as peças desse último gênero foram reunidas primeiro em Ondas (1883). Em 2009 saiu uma edição organizada por Leopoldo M. Bernucci e Francisco Foot Hardman intitulada Poesia reunida. Euclides da Cunha morreu a 15 de agosto de 1909, no Rio de Janeiro.



* Os poemas aqui apresentados é uma transcrição e versificação cuidada por Augusto de Campos a partir de Os Sertões, de Euclides da Cunha.




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