terça-feira, 2 de março de 2010

Dois poemas de John Clare

 


O LAVRADOR ASSUSTADO
 
Eu fui para o campo na folga que tive;
O estranho talvez riu, não cheguei a ver;
A choça pra abrigar-me de chuva;
E o livro em meu bolso foi lido sem mora.
 
O pássaro abrigou-se, mas logo foi embora;
O cavalo veio ver, e alegre quedou;
Ficou em silêncio e mexeu a cabeça,
Parecendo ouvir o poema que eu lia.
 
O lavrador talvez volte após a lida
Pensando a que tinha vindo aquele ser,
Sentado a um canto, lendo, o dia todo,
A gargalhar ao fim de cada leitura.
 
Outro pássaro sobrevoou, e se debruça
Onde o corvo grita feito um camponês;
A cotovia no alto me enfeitiçou,
Então sentei e me uni à melodia.
 
Eu bem pude aturar o tosco campônio:
Seu louvor nada vale, sua censura é inútil;
A fama atiçou-me, e lidei todo o dia
Té os campos poderem viver no meu poema.
 
 
EU SOU
 
Eu sou: o que agora sou ninguém quer saber;
     Amigos me abandonaram, fútil haver;
Eu mesmo consumo minhas paixões feéricas ―
     Elas nascem e se esfumam em chão estéril.
Abafados espasmos de amor delirante ―:
Mas sou, vivo ― como vapores tremulantes
 
Em meio a um nada ruidoso e escarnescente,
     Em meio a um vivo mar de sonhos vigilantes,
Onde não há sentido de vida ou alegrias,
     Só o cru naufrágio de minhas aporias;
E a mais desejada, que me faz e desfaz,
É-me estranha ― ou pior, mais estranha que as mais.
 
Aspiro a lugares por homem não pisados,
     Cenário não visto por mulher, nem pranteado ―
Para lá conviver com meu Criador, Deus,
     Dormir como na infância, leve, junto aos meus,
Desanuviado, e confortado onde me encontro,
A grama por baixo ― por cima o céu redondo.
 
 
John Clare nasceu a 13 de julho de 1793, em Helpston. Publicou três livros em vida. Clare morreu no dia 20 de maio de 1864, em Northampton.

* Traduções de Luís Augusto Fisher.
 

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