SETE PROVAS E NENHUM CRIME
Havia a mancha de sangue no jaleco
E nenhum corpo
Havia o olhar rútilo, o rosto crispado
E nenhum motivo
Havia o cheiro impregnado no corpo
E nenhum motivo
Havia o cheiro impregnado no corpo
E nenhuma digital
Havia o vírus, o bilhete, a arma branca
E nenhum assassinato
Havia o vírus, o bilhete, a arma branca
E nenhum assassinato
Havia em vão a confissão
E nenhum ilícito
Havia a cadeira de rodas vazia
E nenhum suspeito
Havia um gato emborcado no aquário
E peixe nenhum
Havia um gato emborcado no aquário
E peixe nenhum
TEMPO
no início era o começo.
o depois veio vindo devagar.
o antes veio depois do depois.
só quando esse se estabeleceu.
no princípio era o agora.
isso demorou até que
tudo virou antes e depois.
então numa revolução peluda
o agora voltou ao trono.
antes e depois viraram
falta do que fazer.
e tanto fizeram
que o agora virou tudo
e o tudo, nada.
de volta ao princípio
o agora agora congelou.
o antes fica pra depois.
ESSE ANIMAL
o poeta é de carne e osso
tem olhos, boca, nariz, pescoço
tem pressa, humor, desejo e calma
o poeta é de corpo e alma
o poeta é de osso e carne
sendo a vida vivida o osso
a carne o que lhe dá a palavra
o poeta é alguém que se lavra
tem poeta mais carne que osso
tem o tecido adiposo de quem
entre livros letras ditados
vê a vida passar ao largo
tem poeta carne de pescoço
traz o esqueleto no rosto
não sabe dar carne ao poema
preso no fundo do poço
o poeta é um animal que fuma
CARA DE CAVEIRA
minha cara é de caveira
meus olhos são de vidro
e vocês não me dizem nada
no meu corpo tem um sangue
amargo e verde
meu coração é à prova de choque
e vocês não sabem de nada
tenho pés de andar em qualquer chão
as mãos livres sem argolas
e vocês tremem por nada
minha memória guarda coisas bem curtidas
eu sou minha memória bem curtido
e vocês não são de nada
•
Chacal (Ricardo de Carvalho Duarte) nasceu a 24 de maio de 1951, no Rio de Janeiro. Foi um dos primeiros poetas da década de 1970
que fez do mimeógrafo instrumento para circulação de poesia; estreou com o
livro Muito prazer, Ricardo. Depois deste título vieram, entre outros, Preço
da passagem, América, Quampérius, Olhos vermelhos, Nariz anis, Boca roxa, Drops de abril, Comício de tudo, e Belvedere, antologia publicada pela Cosac Naify e 7 Letras no âmbito da coleção Ás de Colete, reunindo obra de 1971 e 2007.
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