sábado, 25 de dezembro de 2010

Dois poemas de Sophia de Mello Breyner Andresen


DATA

Tempo de solidão e de incerteza
Tempo de medo e tempo de traição
Tempo de injustiça e de vileza
Tempo de negação

Tempo de covardia e tempo de ira
Tempo de mascarada e de mentira
Tempo de escravidão

Tempo dos coniventes sem cadastro
Tempo de silêncio e de mordaça
Tempo onde o sangue não tem rasto
Tempo da ameaça


ELEGIA

Aprende
A não esperar por ti pois não te encontrarás
No instante de dizer sim ao destino
Incerta paraste emudecida
E os oceanos depois devagar te rodearam

A isso chamaste Orpheu Eurydice -
Incessante intensa lira vibrava ao lado
Do desfilar real dos teus dias
Nunca se distingue bem o vivido do não vivido
O encontro do fracasso -
Quem se lembra do fino escorrer da areia na ampulheta
Quando se ergue o canto
Por isso a memória sequiosa quer vir à tona
Em procura da parte que não deste
No rouco instante da noite mais calada
Ou no secreto jardim à beira-rio
Em Junho.

Sophia de Mello Breyner Andresen nasceu no Porto em 6 de novembro de 1919 e morreu em 2 de julho de 2004, em Lisboa. Em 1999 recebeu o mais importante prêmio das literaturas de língua portuguesa, o Camões e, no ano da sua morte o Reina Sofía. Autora de uma vasta obra poética, todos os livros seus foram reunidos na antologia Obra poética.

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