Os materiais, a lição: cinco variações
I.
pés úmidos em terra seca:
montar um cavalo morto
enregela-nos o movimento.
(beijo ao caminho, à poeira)
o fértil
revolve os olhos
e mal contém-se
em coice:
pata impressa
em ervas.
II.
conglomerado sem esforço,
o corpo reunido vinga-se
do ar, dispersão contínua.
(e despenca-me em chuva)
o úmido
opõe ao vento
o núcleo
do seu aposento:
o corpo persevera
no extenso.
III.
escalar-se em chamas,
deitar no próprio corpo
como na última cama.
(prefiro o consumo do outro)
nosso palpável
peito unido
lambe o milagre
da carne única:
a trindade
opera-se grávida.
IV.
fala e água: ao chocarem-se
em continentes de carência,
o conteúdo dita a forma.
(o líquido modela o copo)
o sangue
procura deter-se
num trecho de pele
um instante:
toque do anátema,
farol, ex-amante.
V.
consciência purgada na falta
que ama: enfim, só se é cauto
em sins de olhos fechados.
(fé do absurdo no obstáculo)
o cavaleiro
executa
no escuro
o movimento.
sem aposta de páscoa:
um cavalo, um moinho, um vento.
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Ricardo Domeneck nasceu em Bebedouro em 1977. Publicou
os livros Carta aos anfíbios (2005), A cadela sem Logos (2007) e Sons: Arranjo: Garganta (2009).
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