COMO SE
FOSSE CADA VEZ UM VENENO NOVO
A tua morte
é sempre nova em mim.
Não
amadurece. Não tem fim.
Se ergo os
olhos dum livro, de repente
tu morreste.
Acordo, e tu
morreste.
Sempre, cada
dia, cada instante,
a tua morte
é nova em mim,
sempre
impossível.
E assim, até
à noite final
irás
morrendo a cada instante
da vida que
ficou fingindo vida.
Redescubro a
tua morte como outros
redescobrem
o amor,
porque em
cada lugar, cada momento,
tu estás
viva.
Viverei até
à hora derradeira a tua morte.
Aos goles,
lentos goles. Como se fosse
cada vez um
veneno novo.
Não é tanto
a saudade que dói, mas o remorso.
O remorso de
todo o perdido em nossa vida,
coisas de
antes e depois, coisas de nunca,
palavras
mudas para sempre, um gesto
que sem
remédio jamais teve destino,
o olhar que
procura e nunca tem resposta.
O único
presente verdadeiro é teres partido.
POETA
Poeta: uma
criança em frente do papel.
Poema: os
jogos inocentes,
Invenções do
menino aborrecido e só.
A pena joga
com palavras ocas,
Atira-as ao
ar a ver se ganha ao jogo.
Os dados
caem: são o poema. Ganhou.
•
Adolfo
Casais Monteiro nasceu a 4 de julho de 1904 no Porto. Foi poeta, tradutor e
crítico e prosador. Afastado das funções como professor e presos por diversas
vezes por motivos políticos, exilou-se no Brasil. Foi diretor da revista Presença
juntamente com José Régio e João Gaspar Simões; atuou ainda como colaborador
com a revista de cinema Movimento, Sudoeste, Prisma, Variante
e Litoral. Casais Monteiro morreu a 24 de julho de 1972 em São Paulo.