SALTO À CORDA
O cordão que nos abre
aos acres ventos de humidade e sombra,
a luva dura nos abriga
ou é que nos enforca, nos afoga?
Mal saltamos à terra,
dela nos soltam como às aves
da espécie das galinhas.
Mas o fantasma duma linha cinza,
esse nos fecha os olhos
e diz: saltai à corda.
E é questão então a de saber
se temos pés azuis
ou sangue negro e goma
que nos cape. O pé direito sobe,
oh, que vitória, no verdadeiro ar.
Mas que invisível fio
o puxa e traz à pequenez do outro?
Que terror canaliza
cada comparação? De que margem,
de que maresia mesmo o cheiro nos agrada?
Que pátria e que dolores?
Que malfeição?
(Um aceno insular
habita o nosso olhar.
Uma pílula pink
dá-se ao dente que a trinque.
E que ternura é esta,
rosa de sal, giesta,
serra aberta de pinhas,
toque de campainhas?)
(WASHINGTON, D.C.)
Como um velho como um cão
sentado num parque frente aos desportistas
ressentindo Pessoa o Campos como ele
como um velho como um cão
sentado num parque ao sol
a não pensar em nada ou repensando
as coisas sem interesse e sem razão
Deixar correr o tempo sem memória
entre memoriais de tudo quanto houve
valendo-me assim do que os outros lembram
para nada lembrar não tanto
como um velho sentado num parque:
como um cão.
DISCURSO DO PAPAGAIO DE PAPEL
entre memoriais de tudo quanto houve
valendo-me assim do que os outros lembram
para nada lembrar não tanto
como um velho sentado num parque:
como um cão.
DISCURSO DO PAPAGAIO DE PAPEL
para José de Guimarães
Do alto vos falo, onde
acrescento azul de muitas cores
ao outro azul que os olhos vossos vêem
quando outra coisa não há no chão que ver.
Do alto me assobio,
vertendo em vós silêncio alçado
por cima dos ventos nos buracos
que a vossa vida minam.
Do alto assumo ser
preso ao chão que me solta
e estar como um farol assinalando
a possível e vera liberdade.
A minha profissão é dar-lhes nomes.
Tal como o outro, passados os seis dias,
foi tudo achando bem, e disse
que era bom, e o chamou,
assim, no bom ou mau,
eu dou nomes à vida, digo
esta é a rosa dos ventos, digo
esta é a flor das águas, digo
esta é a planta do teu pé.
Apenas digo nomes: tudo existe
muito senhor de si,
tudo existe insolente,
independente.
Não era necessário eu ter nascido.
PALAVRAS MINHAS
Palavras que disseste e já não dizes,
palavras como um sol que me queimava,
olhos loucos de um vento que soprava
em olhos que eram meus, e mais felizes.
Palavras que disseste e que diziam
segredos que eram lentas madrugadas,
promessas imperfeitas, murmuradas
enquanto os nossos beijos permitiam.
Palavras que dizias, sem sentido,
sem as quereres, mas só porque eram elas
que traziam a calma das estrelas
à noite que assomava ao meu ouvido...
Palavras que não dizes, nem são tuas,
que morreram, que em ti já não existem
– que são minhas, só minhas, pois persistem
na memória que arrasto pelas ruas.
•
Pedro Tamen nasceu em Lisboa, onde passou toda sua vida, a 1.º de dezembro de
1934. Estudou Direito na Universidade de Lisboa; foi editor na Moraes, casa
onde fez sua estreia literária; tradutor de autores como Gabriel García
Márquez, Reinaldo Arenas, Gustave Flaubert, Marcel Proust. Na literatura, se
destaca como poeta com Poemas para todos os dias (1956), O sangue, a
água e o vinho (1958), Escrito de memória e Os quarenta e
dois sonetos (1973), Princípio de sol (1982), Guião de
Caronte (1997), Memória indescritível (2000), Um teatro às
escuras (2011) e Rua de nenhures (2013). Vários desses títulos
permitiram-no acessar alguns dos importantes prêmios em seu país, como Prêmio
D. Dinis (1981) e o Prêmio da Crítica da Associação Portuguesa de Críticos
Literários (1991). Pedro Tamen morreu no dia 29 de julho de 2021.