terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Dois poemas Machado de Assis



CÍRCULO VICIOSO

Bailando no ar, gemia inquieto vaga-lume:
“Quem me dera que eu fosse aquela loira estrela
Que arde no eterno azul, como uma eterna vela!”
Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:

“Pudesse eu copiar-te o transparente lume,
Que, da grega coluna à gótica janela,
Contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela”
Mas a lua, fitando o sol com azedume:

“Mísera! Tivesse eu aquela enorme, aquela
Claridade imortal, que toda a luz resume”!
Mas o sol, inclinando a rútila capela:

Pesa-me esta brilhante auréola de nume…
Enfara-me esta luz e desmedida umbela…
Por que não nasci eu um simples vaga-lume?”


NO ALTO

O poeta chegara ao alto da montanha,
E quando ia a descer a vertente do oeste,
Viu uma cousa estranha,
Uma figura má.

Então, volvendo o olhar ao subtil, ao celeste,
Ao gracioso Ariel, que de baixo o acompanha,
Num tom medroso e agreste
Pergunta o que será.

Como se perde no ar um som festivo e doce,
Ou bem como se fosse
Um pensamento vão,

Ariel se desfez sem lhe dar mais resposta.
Para descer a encosta
O outro lhe deu a mão.


Machado de Assis nasceu a 21 de junho de 1839, no Rio de Janeiro. Reconhecido um dos mais importantes romancistas da literatura brasileira e universal, foi autor de vasta obra poética; publicou cinco antologias de poemas: Crisálidas (1864), Falenas (1870), Americanas (1880) e a reunião dessas obras mais inéditos em Poesias completas (1901). Este último título tem sido revisto de tempos e tempos com a constante descoberta de material inédito. O escritor morreu na sua cidade natal em 29 de setembro de 1908.