CÍRCULO VICIOSO
Bailando no ar, gemia inquieto vaga-lume:
“Quem me dera que eu fosse aquela loira estrela
Que arde no eterno azul, como uma eterna vela!”
Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:
“Pudesse eu copiar-te o transparente lume,
Que, da grega coluna à gótica janela,
Contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela”
Mas a lua, fitando o sol com azedume:
“Mísera! Tivesse eu aquela enorme, aquela
Claridade imortal, que toda a luz resume”!
Mas o sol, inclinando a rútila capela:
Pesa-me esta brilhante auréola de nume…
Enfara-me esta luz e desmedida umbela…
Por que não nasci eu um simples vaga-lume?”
NO ALTO
O poeta chegara ao alto da montanha,
E quando ia a descer a vertente do oeste,
Viu uma cousa estranha,
Uma figura má.
Então, volvendo o olhar ao subtil, ao celeste,
Ao gracioso Ariel, que de baixo o acompanha,
Num tom medroso e agreste
Pergunta o que será.
Como se perde no ar um som festivo e doce,
Ou bem como se fosse
Um pensamento vão,
Ariel se desfez sem lhe dar mais resposta.
Para descer a encosta
O outro lhe deu a mão.
•
Machado de
Assis nasceu a 21 de junho de 1839, no Rio de Janeiro. Reconhecido um dos mais
importantes romancistas da literatura brasileira e universal, foi autor de
vasta obra poética; publicou cinco antologias de poemas: Crisálidas
(1864), Falenas (1870), Americanas (1880) e a reunião dessas
obras mais inéditos em Poesias completas (1901). Este último título tem
sido revisto de tempos e tempos com a constante descoberta de material inédito.
O escritor morreu na sua cidade natal em 29 de setembro de 1908.