A BORBOLETA
Quando o açúcar elaborado nos talos surge no fundo das flores, como em xícaras mal lavadas - um grande esforço se produz no solo de onde, súbito, as borboletas alçam voo.
Porém, como cada lagarta teve a cabeça ofuscada e enegrecida, e o torso adelgaçado pela verdadeira explosão de onde as asas simétricas flamejaram,
Desde então, a borboleta errática só pousa ao acaso do percurso, ou quase isso.
Fósforo voejante, sua chama não é contagiosa. E, além do mais, ela chega muito tarde e pode apenas constatar as flores desabrochadas. Não importa: comportando-se como acendedora de lâmpadas, verifica a provisão de óleo de cada uma. Pousa no cimo das flores o farrapo atrofiado que carrega, e vinga assim sua longa humilhação amorfa de lagarta ao pé dos caules.
Minúsculo veleiro dos ares maltratado pelo vento como pétala superfetatória, ela vagabundeia pelo jardim.
A MIMOSA
(excerto)
Sobre um fundo azul, aqui está ela: como um personagem da comédia italiana, com uma pitada de histrionismo estrambótico, empoada como Pierrô, com gravata de bolinha amarelinha, a mimosa.
Mas não se trata de um arbusto lunar: é antes solar, multissolar...
Um caráter de uma ingênua gloriazinha, logo desalentada.
Cada grão não é de modo algum liso, mas formado de pêlos aveludados; um astro, se preferirem, estrelado ao máximo.
As folhas têm um quê de grandes plumas, e no entanto muito carregadas de si próprias; mais enternecedoras portanto que outras palmas, e por isso também bastante distintas. E no entanto há qualquer coisa de realmente vulgar na idéia de mimosa; é uma flor que acaba de se tornar vulgarizada.
Como em tramaga há trama, em mimosa há mimo.
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Francis Ponge
nasceu no dia 27 de março de 1899 em Nîmes, sul da França. Estudou Direito e
Filosofia. No início dos anos 1920 integrou a revista Le Mouton Blanc,
onde publicou seus primeiros poemas curtos e satíricos. Já na famosa editora
Gallimard, Jean Paulhan foi responsável pela publicação dos três primeiros
livros do poeta: Douze petits écrits (1926), Le parti pris des choses
(1942) e Proêmes (1948). Autor de vasta obra e admirado por extensa parte
dos intelectuais franceses, como Jean Paul-Sartre, quem cunhou o conceito de “fenomenologia
poética” a partir da obra de Ponge. O poeta morreu em 6 de agosto de 1988 em Le
Bar-sur-Loup.
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