Acreditava antigamente
Que todo beijo que me tiram,
Ou que recebo de presente,
Fosse por obra do destino.
Deram-me beijos e beijei,
Antes com tanta seriedade,
Como se obedecesse às leis
Que regem a necessidade.
Antes com tanta seriedade,
Como se obedecesse às leis
Que regem a necessidade.
Agora sei como é
supérfluo
E não me faço de rogado,
Vou dando beijos em excesso,
Incrédulo e despreocupado.
E não me faço de rogado,
Vou dando beijos em excesso,
Incrédulo e despreocupado.
[1832–1836]
Esperem só
Só porque arraso quando
arrojo
Raios, acham que não sei troar.
Ora, meus senhores, ao contrário:
Na arte do trovão não sou pior!
Raios, acham que não sei troar.
Ora, meus senhores, ao contrário:
Na arte do trovão não sou pior!
No devido dia, eu ponho à
prova,
Quem duvida agora é só esperar;
O meu peito então vai trovejar,
E trincar os céus, a minha voz!
Quem duvida agora é só esperar;
O meu peito então vai trovejar,
E trincar os céus, a minha voz!
No fragor daquele
furacão,
Os carvalhos secos vão rachar,
Os castelos vão desmoronar,
Velhas catedrais, ruir ao chão!
Os carvalhos secos vão rachar,
Os castelos vão desmoronar,
Velhas catedrais, ruir ao chão!
[1844]
Os tecelões da Silésia
Não há lágrimas em seus
olhares;
Rangem dentes diante dos teares:
Alemanha, nós tecemos tua mortalha,
E tramamos nossa tripla maldição –
Nós tecemos e tramamos!
Rangem dentes diante dos teares:
Alemanha, nós tecemos tua mortalha,
E tramamos nossa tripla maldição –
Nós tecemos e tramamos!
Maldição ao Deus a quem
oramos,
Quando a fome e o frio nos maltratam;
Suplicamos de joelhos sua graça,
Ele tripudia e ri da nossa cara –
Nós tecemos e tramamos!
Quando a fome e o frio nos maltratam;
Suplicamos de joelhos sua graça,
Ele tripudia e ri da nossa cara –
Nós tecemos e tramamos!
Maldição ao Rei, rei dos
ricaços,
Da miséria faz tão pouco caso;
Nos roubou até o último centavo
Para nos lançar nos braços do carrasco –
Nós tecemos e tramamos!
Da miséria faz tão pouco caso;
Nos roubou até o último centavo
Para nos lançar nos braços do carrasco –
Nós tecemos e tramamos!
Maldição à Pátria
desamada,
Onde o escárnio e a humilhação se alastram;
Onde a flor que flore é logo estraçalhada;
Onde a podridão seus vermes amealha –
Nós tecemos e tramamos!
Onde o escárnio e a humilhação se alastram;
Onde a flor que flore é logo estraçalhada;
Onde a podridão seus vermes amealha –
Nós tecemos e tramamos!
Voa a lançadeira no tear,
Noite e dia, trabalhamos sem parar –
Alemanha, nós tecemos tua mortalha,
E tramamos nossa tripla maldição,
Nós tecemos e tramamos!
Noite e dia, trabalhamos sem parar –
Alemanha, nós tecemos tua mortalha,
E tramamos nossa tripla maldição,
Nós tecemos e tramamos!
[1844–1845]
Efeméride
Missa alguma irão cantar,
Nem Kadisch irão dizer,
Nada dito e nem cantado
Para mim, quando eu morrer.
Nem Kadisch irão dizer,
Nada dito e nem cantado
Para mim, quando eu morrer.
Mas quem sabe não se
anime
A Mathilde a um passeio
a Montmartre com Pauline,
Não fazendo tempo feio.
A Mathilde a um passeio
a Montmartre com Pauline,
Não fazendo tempo feio.
Com a coroa de flores
Ela enfeita a minha lápide,
E suspira: pauvre homme!
Segurando suas lágrimas.
Ela enfeita a minha lápide,
E suspira: pauvre homme!
Segurando suas lágrimas.
Como eu moro muito alto
E não tenho nem cadeira,
Seu pezinho está inchado
E lhe dá uma canseira!
E não tenho nem cadeira,
Seu pezinho está inchado
E lhe dá uma canseira!
Meu chuchu, creio que não
Deves regressar a pé;
Lá pertinho do portão,
Pegas um cabriolé.
Deves regressar a pé;
Lá pertinho do portão,
Pegas um cabriolé.
[1851]
Larga as parábolas
sagradas,
Deixa as hipóteses devotas,
E põe-te em busca das respostas
Para as questões mais complicadas.
Deixa as hipóteses devotas,
E põe-te em busca das respostas
Para as questões mais complicadas.
Por que se arrasta
miserável
O justo carregando a cruz,
Enquanto, impune, em seu cavalo,
Desfila o ímpio de arcabuz?
O justo carregando a cruz,
Enquanto, impune, em seu cavalo,
Desfila o ímpio de arcabuz?
De quem é a culpa? Jeová
Talvez não seja assim tão forte?
Ou será Ele o responsável
Por todo o nosso azar e sorte?
Talvez não seja assim tão forte?
Ou será Ele o responsável
Por todo o nosso azar e sorte?
E perguntamos o porquê,
Até que súbito – afinal –
Nos calam com a pá de cal –
Isto é resposta que se dê?
Até que súbito – afinal –
Nos calam com a pá de cal –
Isto é resposta que se dê?
[1854]
Legado
A minha vida chega ao fim,
Escrevo pois meu testamento;
Cristão, eu lego aos inimigos
Dádivas de agradecimento.
Aos meus fiéis opositores
Eu deixo as pragas e doenças,
A minha coleção de dores,
Moléstias e deficiências.
Recebam ainda aquela cólica,
Mordendo feito uma torquês,
Pedras no rim e as hemorroidas,
Que inflamam no final do mês.
As minhas cãimbras e gastrite,
Hérnias de disco e convulsões –
Darei de herança tudo aquilo
Que usufruí em diversões.
Adendo à última vontade:
Que Deus caído em esquecimento
Lembre de vós e vos apague
Toda a memória e sentimento.
Os anjos
Eu, incrédulo Tomé,
Já não creio na doutrina
Que o rabi e o padre ensinam:
Nesse “céu” não levo fé!
Mas nos anjos acredito,
Dou aqui meu testemunho:
Perambulam pelo mundo,
Impolutos e bonitos.
Só refuto essa bobagem
De anjo aparecer de asinha;
Sei de muitos, Senhorinha,
Desprovidos de penagem.
Com carinho e claridade,
De olho atento nos humanos,
Nos protegem, afastando
O infortúnio e a tempestade.
Amizade tão discreta
Reconforta toda gente,
Tanto mais o duplamente
Judiado, que é o poeta.
[1847]
Como rasteja devagar
O tempo, caracol horrendo!
E eu, sem poder mover os membros,
Não saio mais deste lugar.
Na minha cela sempre escura
Não entra sol nem a esperança;
Daqui, em derradeira instância,
Só me liberta a sepultura.
Quem sabe já virei defunto
E esses semblantes em cortejo,
Que à noite desfilando eu vejo,
Não são visitas do outro mundo.
Fantasmas a vagar sem corpo
Ou deuses do templo pagão,
Que adoram fazer confusão
No crânio de um poeta morto. –
A doce festa dos espíritos,
Orgia saturnal e tétrica,
Busca a mão óssea do poeta
Deitar às vezes por escrito.
[1853-1854]
A minha vida chega ao fim,
Escrevo pois meu testamento;
Cristão, eu lego aos inimigos
Dádivas de agradecimento.
Aos meus fiéis opositores
Eu deixo as pragas e doenças,
A minha coleção de dores,
Moléstias e deficiências.
Recebam ainda aquela cólica,
Mordendo feito uma torquês,
Pedras no rim e as hemorroidas,
Que inflamam no final do mês.
As minhas cãimbras e gastrite,
Hérnias de disco e convulsões –
Darei de herança tudo aquilo
Que usufruí em diversões.
Adendo à última vontade:
Que Deus caído em esquecimento
Lembre de vós e vos apague
Toda a memória e sentimento.
Os anjos
Eu, incrédulo Tomé,
Já não creio na doutrina
Que o rabi e o padre ensinam:
Nesse “céu” não levo fé!
Mas nos anjos acredito,
Dou aqui meu testemunho:
Perambulam pelo mundo,
Impolutos e bonitos.
Só refuto essa bobagem
De anjo aparecer de asinha;
Sei de muitos, Senhorinha,
Desprovidos de penagem.
Com carinho e claridade,
De olho atento nos humanos,
Nos protegem, afastando
O infortúnio e a tempestade.
Amizade tão discreta
Reconforta toda gente,
Tanto mais o duplamente
Judiado, que é o poeta.
[1847]
Como rasteja devagar
O tempo, caracol horrendo!
E eu, sem poder mover os membros,
Não saio mais deste lugar.
Na minha cela sempre escura
Não entra sol nem a esperança;
Daqui, em derradeira instância,
Só me liberta a sepultura.
Quem sabe já virei defunto
E esses semblantes em cortejo,
Que à noite desfilando eu vejo,
Não são visitas do outro mundo.
Fantasmas a vagar sem corpo
Ou deuses do templo pagão,
Que adoram fazer confusão
No crânio de um poeta morto. –
A doce festa dos espíritos,
Orgia saturnal e tétrica,
Busca a mão óssea do poeta
Deitar às vezes por escrito.
[1853-1854]
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