limites
Quem disse alguma vez:
até aqui a sede,
até aqui a água?
Quem disse alguma vez:
até aqui o ar,
até aqui o fogo?
Quem disse alguma vez:
até aqui o amor,
até aqui o ódio?
Quem disse alguma vez:
até aqui o homem,
até aqui não?
Só a esperança tem os
joelhos nítidos.
Sangram.
Basta...
basta
nada quero mais da morte
nada quero mais da dor ou sombras basta
meu coração é esplêndido como uma palavra
meu coração se tornou belo como o sol
que sai voa canta meu coração
é desde cedo um passarinho
e depois é o teu nome
teu nome se eleva todas as manhãs
esquenta o mundo e declina
solitário em meu coração
sol em meu coração.
claro que morrerei
claro que morrerei e hão-de levar-me
em ossos ou cinzas
e dirão palavras e cinzas
e eu hei-de morrer totalmente
claro que isto acabará
minhas mãos pelas tuas alimentadas
hão-de pensar-se de novo
na humidade da terra
eu cá não quero caixão
nem roupa
que o barro aceite minha cabeça
e que os bichos me devorem
agora
despido de ti
claro que morrerei e hão-de levar-me
em ossos ou cinzas
e dirão palavras e cinzas
e eu hei-de morrer totalmente
claro que isto acabará
minhas mãos pelas tuas alimentadas
hão-de pensar-se de novo
na humidade da terra
eu cá não quero caixão
nem roupa
que o barro aceite minha cabeça
e que os bichos me devorem
agora
despido de ti
soneto
senhor meu coração:
rogo-te que
não estales agora/por agora/não
afunda teu rosto no que conheceste/
não arda contrário a tua razão de fé/
não estales agora/por agora/não
afunda teu rosto no que conheceste/
não arda contrário a tua razão de fé/
não te rompas contra o
presente de
calar/calar/calar/calar/e não
mates o espaço que te foi dado por
um animal de raiva e outro de
calar/calar/calar/calar/e não
mates o espaço que te foi dado por
um animal de raiva e outro de
dor que vai e te come
coração
para que não te sobre coração
e humano ande e muito doa se
para que não te sobre coração
e humano ande e muito doa se
vendo que tanto humano
coração
abraça o luto de seu coração
e coração e humano e cala e que/
abraça o luto de seu coração
e coração e humano e cala e que/
•
Juan Gelman
nasceu em Buenos Aires no dia 3 de maio de 1930. Filho de emigrantes ucranianos
judeus, começou a enveredar pela literatura através do irmão mais velho que lhe
ofereceu conhecer os grandes autores russos – Pushkin, Dostoiéveski, Tolstói.
Publicou seu primeiro poema aos onze anos na revista Rojo y negro. Começou o curso de Química, mas abandonou; nunca
deixou a poesia, ofício que desempenhou paralelo aos diversos empregos que
teve: de caminhoneiro a vendedor de peças de automóveis. Trabalhou como redator
em revistas e jornais, período quando se envolve profundamente com os levantes
políticos; militante do movimento Montoneros, sai da Argentina em 1975 numa
viagem à Europa. O golpe de estado em março do ano seguinte o obrigará ao longo
exílio. Também é desse período que vários de seus familiares foram raptados
pela ditadura. Publicou mais de vinte livros de poesia; no Brasil, Amor que serena termina?, Isso e Com/posições. Morreu no dia 14 de janeiro na Cidade do México.
* Os dois primeiros poemas
têm tradução de Antonio Miranda. "soneto" está no livro Isso, traduzido por Leonardo Gonçalves e Andityas Soares de Moura e publicado pela Editora da UnB.
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