O VIVO
Não queiras ser mais vivo do que és morto.
As sempre-vivas morrem diariamente
Pisadas por teus pés enquanto nasces.
Não queiras ser mais morto do que és vivo.
As mortas-vivas rompem as mortalhas
Miram-se umas nas outras e retornam
(Seus cabelos azuis, como arrastam o vento!)
Ó vivo-morto que escarnecem as paredes,
Queres ouvir e falas.
Queres morrer e dormes.
Há muito que as espadas
Te atravessando lentamente lado a lado
Partiram tua voz. Sorris
Queres morrer e morres.
CANTO DO HOMEM ENTRE PAREDES
As paredes suportam meus pulsos de carne.
As paredes se encaram.
As paredes indagam seus rostos à cal
E me riem perdido além do labirinto.
A luz sobre a cabeça, os olhos entre os dedos,
O caminho dos pés no caminho nos pés:
Entre o jarro de flores e a mesa perdido.
E as paredes são uivos mais fortes que os meus.
Fui eu quem as fechou? Se fecharam sozinhas?
Sabem que eu sei abri-las. Ignoro que sei.
Ao me sonhar caminho vi que elas e não eu,
Que tenho pés, caminham.
As estantes e os quadros se erguem já como a hera
Mais espessos que a hera.
Algo que a luz chamou poeira e eu ouro, e teias
Chamou e eu chamei rios
Acorda o compromisso entre as portas e a vida.
As paredes não param. Caminham sobre mim.
Sonham que eu hei de abri-las. Ignoro mas sei.
•
Augusto de Campos nasceu a 14 de
fevereiro de 1931 em São Paulo. Sua estreia na literatura acontece em 1951 com
o livro O rei menos o reino. Depois forma parte com o irmão Haroldo de
Campos da revista literária Noigandres, formando um grupo que, com Décio
Pignatari, resultaria no movimento vanguardista Poesia Concreta. Viva vaia,
seu trabalho mais conhecido, valeu o Prêmio Jabuti de 1979. Entre seus livros estão
ainda Despoesia (1994) e Não (2003).
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