terça-feira, 26 de agosto de 2014

Julio Cortázar poeta: dois inéditos



AVÓ MORTA
O anjinho que tantos anos desenhei ao pé de umas cartas,
e o à bientôt das despedidas, e esse nome sobre
hão de seguir em alguma parte, hão de ser algo vivo,
não é possível que nada sobreviva dessa ternura e essa graça.
De alguma maneira nos seguiremos escrevendo sempre,
alguém chamará às portas e nos entregará as cartas,
tu estarás bem e eu te contarei sobre viagens,
tu estarás bem e eu serei o que beija
a borda do papel onde uma letra fina
me envolve o coração em savanas, me dá boas noites
e sai silenciosa para que chegue o sonho.


OBJETOS PERDIDOS
Por veredas de sonho e moradias silenciosas
teus verões prestados me alucinam com seus cantos
Uma cifra vigilante e sigilosa
vai pelos arrabaldes chamando-me e chamando-me
mas o que falta, diz-me, no cartão pequeno
onde estão teu nome, tua rua e teu desvelo
se a cifra se mescla com as letras do sonho,

se somente estás onde já não te busco.



Julio Cortázar nasceu a 26 de agosto de 1914 em Ixelles, na Bélgica. Sua obra, uma das mais importantes no âmbito da literatura latino-americana, se destaca pela inovação criativa e formal no trato narrativo. Ficou reconhecido pela publicação de vários títulos em prosa curta, como Histórias de cronópios e famas (1964). Seu livro mais lembrado é Rayuela (1963). Vez ou outra, se aventurou na poesia, gênero, aliás, que marcou sua estreia em livro na literatura: em 1938, sob o pseudônimo de Julio Denis publicou um livro de sonetos intitulado Presencia; quase quatro décadas mais tarde, em 1971, publica Pameos y meopas e, em 1984, Salvo el crepúsculo. Cortázar morreu em Paris, onde viveu extensa parte de sua vida, a 12 de fevereiro de 1984. 

* Os dois poemas foram publicados na edição ainda inédita no Brasil, Cortázar de la A a la Z e foram traduzidos por Pedro Fernandes.

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