AVÓ MORTA
O anjinho que tantos anos
desenhei ao pé de umas cartas,
e o à bientôt das despedidas, e
esse nome sobre
hão de seguir em alguma parte,
hão de ser algo vivo,
não é possível que nada
sobreviva dessa ternura e essa graça.
De alguma maneira nos
seguiremos escrevendo sempre,
alguém chamará às portas e nos
entregará as cartas,
tu estarás bem e eu te contarei
sobre viagens,
tu estarás bem e eu serei o que
beija
a borda do papel onde uma letra
fina
me envolve o coração em
savanas, me dá boas noites
e sai
silenciosa para que chegue o sonho.
OBJETOS
PERDIDOS
Por
veredas de sonho e moradias silenciosas
teus
verões prestados me alucinam com seus cantos
Uma
cifra vigilante e sigilosa
vai
pelos arrabaldes chamando-me e chamando-me
mas
o que falta, diz-me, no cartão pequeno
onde
estão teu nome, tua rua e teu desvelo
se
a cifra se mescla com as letras do sonho,
se somente estás onde já não
te busco.
•
Julio Cortázar nasceu a 26 de agosto de 1914 em Ixelles, na Bélgica. Sua obra, uma das mais importantes no âmbito da literatura latino-americana, se destaca pela inovação criativa e formal no trato narrativo. Ficou reconhecido pela publicação de vários títulos em prosa curta, como Histórias de cronópios e famas (1964). Seu livro mais lembrado é Rayuela (1963). Vez ou outra, se aventurou na poesia, gênero, aliás, que marcou sua estreia em livro na literatura: em 1938, sob o pseudônimo de Julio Denis publicou um livro de sonetos intitulado Presencia; quase quatro décadas mais tarde, em 1971, publica Pameos y meopas e, em 1984, Salvo el crepúsculo. Cortázar morreu em Paris, onde viveu extensa parte de sua vida, a 12 de fevereiro de 1984.
* Os dois poemas foram publicados na edição ainda inédita no Brasil, Cortázar de la A a la Z e foram traduzidos por Pedro Fernandes.
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