sábado, 10 de janeiro de 2015

Dois poemas de Gabriela Mistral



GOTAS DE FEL

Não cantes: sempre fica
à tua língua apegado
um canto: o que faltou ser enviado.

Não beijes: sempre fica,
por maldição estranha,
o beijo a que não chegam as entranhas.

Reza, reza que é bom; mas reconhece
que não sabes, com tua língua avara,
dizer um só Pai Nosso que salvara.

E não chames a morte de clemente,
porque, na carne que a brancura alcança,
uma beirada viva fica e sente
a pedra que te afoga
e o verme voraz que te destrança.

* Tradução Ruth Sylvia de Miranda Salles


SEGUNDO SONETO DA MORTE           

Este longo cansaço irá ser grande um dia
e a alma dirá ao corpo que não quer
arrastar o seu peso ao longo desta vida
por onde os homens vão, felizes por viver.

Sentirás que ao teu lado cavam brutalmente,
que outro hóspede chega à serena cidade.
Vou esperar que alguém me cubra completamente
e depois falaremos uma eternidade!

Só então saberás porque é que, ainda imaturo,
para as profundas fossas o teu corpo iria
aí dormir tranquilo, aí permanecer.

E então far-se-á luz no campanário escuro:
saberás que entre nós sinais de astros havia
e que, quebrando o pacto, tinhas de morrer.

* Tradução Fernando Pinto do Amaral


Gabriela Mistral nasceu em Vicuña, Chile, em 7 de abril de 1889. Foi poeta, professora e diplomata. Algumas de suas obras tomam o tema do amor, tanto romântico, quanto materno e pelo próximo. O primeiro livro publicado foi Sonetos de la muerte. Depois deste vieram Desolación, Ternura, Tala, Lagar e Poema de Chile. Recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1945 quando estava morando na cidade de Petrópolis, no Rio de Janeiro, atuando como membro do corpo diplomático chileno. Foi a primeira figura literária da América Latina a receber tal honraria. A poeta morreu no dia 10 de janeiro de 1957 em Nova York. Gabriela Mistral, a maior poetisa da literatura chilena, uma das maiores das Américas, ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura em 1945. 

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