quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Três poemas de Hilda Hilst



Como se te perdesse, assim te quero.
Como se não te visse (favas douradas
Sob um amarelo) assim te apreendo brusco
Inamovível, e te respiro inteiro

Um arco-íris de ar em águas profundas.           

Como se tudo o mais me permitisses,
A mim me fotografo nuns portões de ferro       
Ocres, altos, e eu mesma diluída e mínima
No dissoluto de toda despedida.

Como se te perdesse nos trens, nas estações
Ou contornando um círculo de águas
Removente ave, assim te somo a mim:
De redes e de anseios inundada.

*
Que este amor não me cegue nem me siga.
E de mim mesma nunca se aperceba.
Que me exclua do estar sendo perseguida
E do tormento
De só por ele me saber estar sendo.
Que o olhar não se perca nas tulipas
Pois formas tão perfeitas de beleza
Vêm do fulgor das trevas.
E o meu Senhor habita o rutilante escuro
De um suposto de heras em alto muro.

Que este amor só me faça descontente
E farta de fadigas. E de fragilidades tantas
Eu me faça pequena. E diminuta e tenra
Como só soem ser aranhas e formigas.

Que este amor só me veja de partida.

*
Demora-te sobre minha hora.
Antes de me tomar, demora.
Que tu me percorras cuidadosa, etérea
Que eu te conheça lícita, terrena

Duas fortes mulheres
Na sua dura hora.

Que me tomes sem pena
Mas voluptuosa, eterna
Como as fêmeas da Terra.

E a ti, te conhecendo
Que eu me faça carne
E posse
Como fazem os homens.



Hilda Hilst nasceu em 21 de abril de 1930. Estudou na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, da Universidade de São Paulo.  Publicou seu primeiro livro em 1950, Presságio e, logo no ano seguinte, Balada de Alzira. Na década posterior trocou a badalada vida urbana pela tranquilidade na fazenda da mãe, São José, próxima a campinas, onde construiu a casa do Sol. Escreveu teatro e ficção a partir de 1970. Dentre eles se destacam O caderno rosa de Lori LambyCartas de um sedutor e Rútilo nada. Morreu em 2004.  

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