O poema das mãos soluçantes, que se erguem num desejo e numa súplica
Como são belas as tuas mãos, como são belas as tuas mãos pálidas como uma canção em surdina...
As tuas mãos dançam a dança incerta do desejo, e afagam, e beijam e
apertam...
As tuas mãos procuram no alto a lâmpada invisível, a lâmpada que
nunca será tocada...
As tuas mãos procuram no alto a flor silenciosa, a flor que nunca
será colhida...
Como é bela a volúpia inútil de teus dedos...
O poema das mãos que não terão outras mãos numa tarde fria de Junho
Pobres das mãos viúvas, mãos compridas e desoladas, que procuram em
vão, desejam em vão...
Há em torno a elas a tristeza infinita de qualquer coisa que se
perdeu para sempre...
E as mãos viúvas se encarquilham, trêmulas, cheias de rugas, vazias
de outras mãos...
E as mãos viúvas tateiam, insones, − as friorentas mãos viúvas...
O poema dos olhos que adormeceram vendo a beleza da terra
Tudo eles viram, viram as águas quietas e suaves, as águas inquietas
e sombrias...
E viram a alma das paisagens sob o outono, o voo dos pássaros
vadios, e os crepúsculos sanguejantes...
E viram toda a beleza da terra, esparsa nas flores e nas nuvens, nos
recantos de sombra e no dorso voluptuoso das colinas...
E a beleza da terra se fechou sobre eles e
adormeceram vendo a beleza da terra...
•
Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira, Minas Gerais, em 1902. Estreou na literatura em 1930 com a publicação de Alguma poesia e nos cinquenta anos seguintes publicou diversas obras fundamentais da literatura brasileira como Sentimento do mundo, A rosa do povo e Claro enigma. Morreu no Rio de Janeiro em 1987.
* Este poema foi apresentado no jornal O Globo em 19 de novembro de 2015.
Nenhum comentário:
Postar um comentário