sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Três poemas de Guillaume Apollinaire




A PONTE MIRABEAU

Escorre sob a ponte o rio Sena
E em nossos amores
A lembrança me acena
Vinha sempre o prazer depois da pena
Que venha a noite e soe a hora
Os dias se vão não vou embora
Mãos nas mãos esperemos face a face
Até que sob a ponte
Dos nossos braços passe
O eterno desse olhar em nosso enlace
Que venha a noite e soe a hora
Os dias se vão não vou embora
O amor se vai como água turbulenta
Assim o amor se vai
E como a vida é lenta
E como esta Esperança é violenta
Que venha a noite e soe a hora
Os dias se vão não vou embora
Os dias passam passam as semanas
Não voltam o passado
Nem as paixões humanas
E o Sena flui em águas soberanas
Que venha a noite e soe a hora
Os dias se vão não vou embora
Os dias passam passam mas que pena
Passado amor
Nenhuma volta acena
Na ponte Mirabeau se vai o Sena
A noite venha sem demora
Eu fico e o tempo vai embora

* Tradução de Décio Pignatari


MARIA

Está dançando menina
E velha ainda dançará
É o ritmo que domina
Todos os sinos soarão
Quando Maria voltará

As máscaras e outros véus
E a música tão afastada
Que parece vir dos céus
Posso amar-te mais um nada
Minha dor é delicada

Os carneiros pela neve
São flocos de prata e lã
Soldados passam quem leve
Meu volúvel coração
Volúvel e talvez não

Sei onde irão teus cabelos
Crespos como o mar sem dono
Sei onde irão teus cabelos
E as tuas mãos folhas de outono
Juncam também nossos zelos

Passeio à margem do Sena
Com um velho livro na mão
O rio igual à minha pena
Passa e nunca se apequena
Não vejo o fim da quinzena


DESEJO
Meu desejo é a região diante de mim
Atrás das linhas boches
Meu desejo está também atrás de mim
Depois da zona das tropas

Meu desejo é a colina ardente
Meu desejo está no alvo que miro
Do meu desejo além da zona das tropas
Hoje não falo mas penso

Colina ardente eu te imagino em vão
Arames metralhadoras dos boches demasiado seguros deles mesmos
Demasiado metidos na terra já enterrados

Ca ta clac disparos que morrem se afastando

Em vigília tarde da noite
É um da província que tosse
A telha ondulada sobre a chuva
E sem que a chuva se adoce

Escuta a terra veemente
Vê os clarões antes de ouvir os tiros
O tac clac monótono e breve
Um obus a assobiar demente

Eu te vejo Mão de Massiges
Tão descarnada no mapa
A trincheira Goethe em que atirei
Atirei mesmo sobre a Nietzsche
Francamente eu não respeito
Glória nenhuma

Noite violenta e violenta sombria e por instantes dourada
Noite dos homens apenas
Noite de 24 de setembro de 1915
Amanhã o assalto
Noite violenta ó noite cujo grito espantoso a cada minuto é mais intenso
Noite dos homens apenas
Noite que grita como uma mulher parindo.

*Traduções de Paulo Hecker Filho


Guillaume Apollinaire nasceu em 26 de agosto de 1880 e morreu em 9 de novembro de 1918, em Paris, próximo ao fim da primeira Grande Guerra, da qual participou e onde foi ferido gravemente em março de 1916. Participou ativamente e influenciou os movimentos de vanguarda que sacudiram a capital francesa no princípio do século XX e acabaram por transformar definitivamente todas as artes. Sua obra é vasta e fragmentada, tendo sido publicada durante quase duas décadas em jornais, revistas, panfletos e livros. Percorreu todos os gêneros – poesia, prosa, prosa poética, teatro, ensaio, crítica – e entre tantas obras podemos destacar L'Hérésiarque e Cie (1910), Álcoois (1913), e Le poète Assassiné (1916).


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