segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Um poema de Hans Magnus Enzensberger



RAZÕES ADICIONAIS PARA OS POETAS MENTIREM

Porque o momento
no qual a palavra feliz
é pronunciada,
jamais é o momento feliz.
Porque quem morre de sede
não pronuncia sua sede.
Porque na boca da classe operária
não existe a palavra classe operária.
Porque quem desespera
não tem vontade de dizer:
“Sou um desesperado”.
Porque orgasmo e orgasmo
não são conciliáveis.
Porque o moribundo em vez de alegar:
“Estou morrendo”
só deixa perceber um ruído surdo
que não compreendemos.
Porque são os vivos
que chateiam os mortos
com suas notícias catastróficas.
Porque as palavras chegam tarde demais,
ou cedo demais.
Porque, portanto, é sempre um outro,
sempre um outro
quem fala por aí,
e porque aquele
do qual se fala
se cala.

Hans Magnus Enzensberger nasceu na Baviera a 11 de novembro de 1929. Estudou Literatura e Filosofia em várias universidades europeias, incluindo Hamburgo e Sorbonne. Entre 1965 e 1975 foi parte no Grupo 47, período quando criou e dirigiu a revista Kursbuch e a série literária Die andere Bibliothek. Autor de extensa obra, escreveu ensaio, romance, novela, crônica e poesia, gênero no qual estreou em 1957 com Defendendo os lobos. Em 2002 foi premiado com o Príncipe das Astúrias. Morreu no dia 24 de novembro de 2022 em Munique.

* Tradução Kurt Scharf e Armindo Trevisan

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