segunda-feira, 7 de maio de 2018

Dois poemas de Raul Bopp




FAVELA

Meio-dia.

O morro coxo cochila.
O sol resvala devagarzinho pela rua
torcida como uma costela.

Aquela casa de janelas com dor-de-dente
amarrou um coqueiro do lado.

Um pé de meia faz exercícios no arame.

Vizinha da frente grita no quintal:
— João! Ó João!

Bananeira botou as tetas do lado de fora.
Mamoeiros estão de papo inchado.

Negra acocorou-se a um canto do terreiro.
Pôs as galinhas em escândalo.

Lá embaixo
passa um trem de subúrbio riscando fumaça.

À porta da venda
negro bocejou como um túnel.


NEGRO


Pesa em teu sangue a voz de ignoradas origens.
As florestas guardaram na sombra o segredo da tua história.

A sua primeira inscrição em baixo-relevo
foi uma chicotada no lombo.

Um dia
atiraram-te no bojo de um navio negreiro.
E durante longas noites e noites
vieste escutando o rugido do mar
como um soluço no porão soturno.

O mar era um irmão da tua raça.

Uma madrugada
baixaram as velas do convés.
Havia uma nesga de terra e um porto.
Armazéns com depósitos de escravos
e a queixa dos teus irmãos amarrados em coleiras de ferro.

Principiou aí a sua história.

O resto,
o que ficou para trás,
o Congo, as florestas e o mar
continuam a doer na corda do urucungo.



Raul Bopp nasceu em 4 de agosto de 1898, em Pinhal, Santa Maria, Rio Grande do Sul. Com Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade, entre outros, fez parte do movimento antropofágico, vanguarda do modernismo brasileiro que marcam em definitivo a história da cultura nacional. Seu poema mais conhecido é Cobra Norato, cuja primeira versão foi publicada em 1931. Morreu em 2 de junho de 1984, no Rio de Janeiro.

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