FAVELA
Meio-dia.
O morro coxo
cochila.
O sol
resvala devagarzinho pela rua
torcida como
uma costela.
Aquela casa
de janelas com dor-de-dente
amarrou um
coqueiro do lado.
Um pé de
meia faz exercícios no arame.
Vizinha da
frente grita no quintal:
— João! Ó
João!
Bananeira
botou as tetas do lado de fora.
Mamoeiros
estão de papo inchado.
Negra
acocorou-se a um canto do terreiro.
Pôs as
galinhas em escândalo.
Lá embaixo
passa um
trem de subúrbio riscando fumaça.
À porta da
venda
negro
bocejou como um túnel.
NEGRO
Pesa em teu
sangue a voz de ignoradas origens.
As florestas
guardaram na sombra o segredo da tua história.
A sua
primeira inscrição em baixo-relevo
foi uma
chicotada no lombo.
Um dia
atiraram-te
no bojo de um navio negreiro.
E durante
longas noites e noites
vieste
escutando o rugido do mar
como um soluço
no porão soturno.
O mar era um
irmão da tua raça.
Uma
madrugada
baixaram as
velas do convés.
Havia uma
nesga de terra e um porto.
Armazéns com
depósitos de escravos
e a queixa
dos teus irmãos amarrados em coleiras de ferro.
Principiou
aí a sua história.
O resto,
o que ficou
para trás,
o Congo, as
florestas e o mar
continuam a
doer na corda do urucungo.
•
Raul Bopp
nasceu em 4 de agosto de 1898, em Pinhal, Santa Maria, Rio Grande do Sul. Com Tarsila
do Amaral e Oswald de Andrade, entre outros, fez parte do movimento antropofágico,
vanguarda do modernismo brasileiro que marcam em definitivo a história da cultura
nacional. Seu poema mais conhecido é Cobra
Norato, cuja primeira versão foi publicada em 1931. Morreu em 2 de junho de
1984, no Rio de Janeiro.
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