a terra arrefece.
Um estranho amarrou o cavalo a um castanheiro despido.
O cavalo está tranquilo – volta de súbito a cabeça
ao ouvir, na distância, o som do mar.
Faço aqui a minha cama por uma noite,
Estendo a manta mais pesada sobre a terra húmida.
O som do mar –
quando o cavalo volta a cabeça, ouço-o.
No caminho, entre os castanheiros despidos,
um pequeno cão segue o dono.
O pequeno cão – não era ele que costumava adiantar-se,
forçar a trela, como que para mostrar ao dono
aquilo que vislumbra além, além no futuro? –
o futuro, o caminho, chama-lhe o que quiseres.
Por detrás das árvores, ao poente, é como se um grande fogo
ardesse entre duas montanhas
de tal modo que a neve do mais alto precipício
parece, por momentos, arder também.
Escuta: no fim do caminho, o homem chama.
A voz dele faz-se agora muito estranha,
é a voz de alguém a chamar o que não vê.
Ele chama, uma e outra vez, entre os castanheiros escuros.
E o animal responde por fim,
indistintamente, de uma enorme distância,
como se isso que tememos
não fosse terrível.
Crepúsculo: o estranho desamarrou o cavalo.
O som do mar –
Agora uma lembrança apenas.
2.
O tempo passou, transformou tudo em gelo.
Sob o gelo, o futuro bulia.
Se caísses lá dentro, morrias.
Era um tempo
de espera, de acção suspensa.
Eu vivia no presente, que era
a parte do futuro que podíamos ver.
O passado pairava sobre a minha cabeça,
como o sol e a lua, visível mas inalcançável.
Era um tempo
governado por contradições, como
Não sentia nada e
tinha medo.
O inverno esvaziou as árvores, voltou a enchê-las de neve.
Como eu nada sentisse, a neve caiu, o lago gelou.
Como se eu tivesse medo, permaneci imóvel;
o meu bafo era branco, uma descrição do silêncio.
O tempo passou, e uma parte dele tornou-se isto.
E outra parte evaporou-se simplesmente;
podíamos vê-la a pairar sobre as árvores brancas,
formava partículas de gelo.
Esperas a vida inteira pelo momento oportuno.
Depois o momento oportuno
revela-se acção consumada.
Eu via mover-se o passado, uma fila de nuvens a avançar
da esquerda para a direita ou da direita para a esquerda,
consoante o vento. Por vezes
não havia vento. As nuvens pareciam
ficar onde estavam,
como uma pintura do mar, mais imóveis do que reais.
Por vezes o lago era um lençol de vidro.
Sob o vidro, o futuro murmurava,
modesto, convidativo:
tinhas de te concentrar para o não ouvires.
O tempo passou; chegaste a ver parte dele.
Os anos que levou eram anos de inverno;
ninguém lhes sentiria a falta. Por vezes
não havia nuvens, como se
as fontes do passado tivessem desaparecido. O mundo
perdera a cor, como um negativo; a luz atravessava-o
de lado a lado. Depois
a imagem apagava-se.
Por cima do mundo
só havia azul, azul em toda a parte.
3.
Nos fins do
outono uma rapariga deitou fogo
a um trigal. O outono
fora muito
seco; o campo
ardeu como palha.
Depois não
sobrou nada.
Se o atravessávamos, não víamos nada.
Nada havia
para colher, para cheirar.
Os cavalos não compreendem –
Onde está o
campo, parecem dizer.
Como tu ou eu a perguntar
onde está a nossa casa.
Ninguém sabe
responder-lhes.
Não sobra nada;
resta-nos esperar, a bem do lavrador,
que o seguro pague.
É como
perder um ano de vida.
Em que perderias um ano da tua vida?
Mais tarde
regressas ao velho lugar –
só restam cinzas: negrume e vazio.
Pensas: como
pude viver aqui?
Mas na
altura era diferente,
mesmo no último verão. A terra agia
como se nada de mal pudesse acontecer-lhe.
Um único
fósforo foi quanto bastou.
Mas no momento certo – teve de ser no momento certo.
O campo
crestado, seco –
a morte já a postos
por assim dizer.
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