domingo, 12 de setembro de 2010

Poemas de José Saramago


Vertigem

Não vai o pensamento aonde o corpo
Não vai. Emparedado entre penedos,
Até o próprio grito se contrai.
E se o eco arremeda uma resposta,
São coisas da montanha, são segredos
Guardados entre as patas duma aranha
Que tece a sua teia de miséria
Sobre a pedra suspensa da encosta.

* SARAMAGO, José. Os poemas possíveis. 3a. ed. Lisboa: Caminho, 1981.



Na ilha por vezes habitada 

Na ilha por vezes habitada do que somos, há noites,
manhãs e madrugadas em que não precisamos
de morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será.
O mundo aparece explicado definitivamente e entra
em nós uma grande serenidade, e dizem-se as
palavras que a significam.
Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas
mãos.
Com doçura.
Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno, a vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres, com a paz e o
sorriso de quem se reconhece e viajou à roda do
mundo infatigável, porque mordeu a alma até aos
ossos dela.
Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres
como a água, a pedra e a raiz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste.

* SARAMAGO, José. Provavelmente Alegria. 3a. ed. Lisboa: Caminho, 1987.


Os mais velhos

São de pedra, os mais velhos. Ermos, sós.
O gesto hirto. As mãos perdidas
Da remota brandura, como pranto
Vidrado e recolhido, água rasa:
Nada o mundo vos deu: (sois vós, e basta).
Inocente da morte que aceitais,
Recolho dessas mãos de cardos secos
A herança dos nardos imortais.

Poema publicado em 1971, 4ª ed., Revista Contravento

José Saramago nasceu em 16 de novembro de 1922, no interior de Portugal. Sua obra, mais conhecida pela prosa, também se constitui de uma variedade de outras formas, dentre elas, a poesia. Neste gênero publicou Os poemas possíveis, na importante coleção portuguesa Poetas de Hoje, Provavelmente alegria e O ano de 1993. O escritor recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1998. Morreu em Lanzarote, uma ilha das Canárias, onde viveu desde 1993, a 18 de junho de 2010.

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