Vertigem
Não vai o pensamento aonde o corpo
Não vai. Emparedado entre penedos,
Até o próprio grito se contrai.
E se o eco arremeda uma resposta,
São coisas da montanha, são segredos
Guardados entre as patas duma aranha
Que tece a sua teia de miséria
Sobre a pedra suspensa da encosta.
* SARAMAGO, José. Os poemas possíveis. 3a. ed. Lisboa: Caminho, 1981.
Na ilha por vezes habitada
manhãs e madrugadas em que não precisamos
de morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será.
O mundo aparece explicado definitivamente e entra
em nós uma grande serenidade, e dizem-se as
palavras que a significam.
Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas
mãos.
Com doçura.
Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno, a vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres, com a paz e o
sorriso de quem se reconhece e viajou à roda do
mundo infatigável, porque mordeu a alma até aos
ossos dela.
Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres
como a água, a pedra e a raiz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste.
* SARAMAGO, José. Provavelmente Alegria. 3a. ed. Lisboa: Caminho, 1987.
Os mais velhos
São de pedra, os mais velhos. Ermos, sós.
O gesto hirto. As mãos perdidas
Da remota brandura, como pranto
Vidrado e recolhido, água rasa:
Nada o mundo vos deu: (sois vós, e basta).
Inocente da morte que aceitais,
Recolho dessas mãos de cardos secos
A herança dos nardos imortais.
Poema publicado em 1971, 4ª ed., Revista Contravento
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José Saramago nasceu em 16 de novembro de 1922, no interior de Portugal. Sua obra, mais conhecida pela prosa, também se constitui de uma variedade de outras formas, dentre elas, a poesia. Neste gênero publicou Os poemas possíveis, na importante coleção portuguesa Poetas de Hoje, Provavelmente alegria e O ano de 1993. O escritor recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1998. Morreu em Lanzarote, uma ilha das Canárias, onde viveu desde 1993, a 18 de junho de 2010.
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