segunda-feira, 9 de julho de 2018

Dois poemas de José Gorostiza



QUEM ME COMPRA UMA LARANJA?

a Carlos Pellicer

Quem me compra uma laranja
para minha consolação?
Uma laranja madura
em forma de coração.

O sal do mar nos lábios,
ai de mim!
O sal do mar nas veias
e os lábios recolhi.

Ninguém me dera os seus
para beijar.
A tenra espiga de um beijo
não mais posso ceifar.

Ninguém pedira o meu sangue
para beber.
Mesmo eu não se se corre
ou se deixa de correr.

Como se perdem os barcos,
ai de mim!
Como se perdem as nuvens
e os barcos, me perdi.

E ninguém por ele pede,
já não tenho coração.
Quem me compra uma laranja
para minha consolação?

1925


OUTONO

Um ar frio dispersou o povo,
ramagem de cores.
Amanhã é o primeiro dia do outono.
Os seios querem iniciar uma viagem
de andorinhas em azáfama
e o olhar adoecerá de ausência.

Outono,
todo nudez de ouro!

Pluma de garça contra o horizonte
é a névoa na alva.
Presto irá apagá-lo com uma asa
distante;
mas terei a tarde esclarecida,
aérea, musical de tuas perguntas
essas eternas redes.

Outono,
todo nudez o ouro!

Teu silêncio é agudo como um mastro.
Brincarei de vento ourives.
E ao roçar imaterial de nossas pausas,
nos entardeceres do outono,
nunca saberemos se cantava o mastro
ou se o mesmo vento entardeceu sonoro.

Outono,
Todo nudez em ouro!

1925


José Gorostiza nasceu em San Juan Bautista, atualmente Villahermosa, Tabasco, em 10 de novembro de 1901 e morreu em 16 de marçode 1973 na Cidade do México. A serviço do estado mexicano durante a maioria de sua vida ocupou vários cargos de governo e diplomáticos. Fez parte do grupo da revista literária Contemporáneos e foi eleito membro da Academia Mexicana de Língua em 1954. Publicou apenas quatro livros: o primeiro, Canciones para cantar en las barcas (1925), se caracteriza pela pureza de seus versos e a delicadeza de seu lirismo. A interrelação destes dois elementos o permitiu escrever poemas aparentemente simples, mas complexos em sua significação. Depois de catorze anos, durante os quais seus poemas permaneceram inéditos ou dispersos em revistas e antologias, apareceu Muerte sin fin (1939), um dos poemas longos mais importantes de língua espanhola no século XX; aquí, deixa a simplicidade e, sem abandonar o diálogo entre vida comum e expressão exata, mergulha numa busca poética exaustiva do ser, no mundo e na norte. Em 1964 publicou Poesía, livro que reúne as obras anteriores e fragmentos sob o título “Del poema frustrado” e o ensaio “Notas sobre poesia”, que havia servido de discurso quando ingressou na Academia de Língua. O último título foi Prosa, em 1969.


* Traduções de Horácio Costa.


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