segunda-feira, 16 de julho de 2018

Dois poemas de Maranhão Sobrinho



INTERLUNAR

Entre nuvens cruéis de púrpura e gerânio,
rubro como, de sangue, um hoplita messênio
o Sol, vencido, desce o planalto de urânio
do ocaso, na mudez de um recolhido essênio...

Veloz como um corcel, voando num mito hircânio,
tremente, esvai-se a luz no leve oxigênio
da tarde, que me evoca os olhos de Estefânio
Mallarmé, sob a unção da tristeza e do gênio!

O ônix das sombras cresce ao trágico declínio
do dia que, a lembrar piratas no mar Jônio,
põe, no ocaso, clarões vermelhos de assassínio...

Vem a noite e, lembrando os Montes do Infortúnio,
vara o estranho solar da Morte e do Demônio
com as torres medievais as sombras do Interlúnio...



TELA DO NORTE

No estirão, percutindo os chifres, a boiada
monótona desliza; ondulando, a poeira,
em fulvas espirais, cobre toda a chapada
em cujos poentes o sol põe uns tons de fogueira.

Baba de sede e muge a leva; triturada
sob as patas dos bois a relva toda cheira! 
Boiando, corta o ar a mórbida toada
do guia que, de pé, palmilha à cabeceira...

Nos flancos da boiada, aos recurvos galões
as éguas, vão tocando a reses fugitivas
os vaqueiros, com o sol nas pontas dos ferrões...

E, do gado o tropel, com as asas derreadas
quase riscando o chão, que o sol calcina, esquivas,
arrancam coleando as emas assustadas...



José Américo Augusto Olímpio Cavalcanti dos Albuquerque Maranhão Sobrinho nasceu em Barra do Corda, interior do Maranhão, em 25 de dezembro de 1879, e morreu ainda jovem, em Manaus, no mesmo dia em que completava 36 anos. Nesse breve espaço de tempo, encarnou como poucos a figura trágica do poeta dominado por suas angústias existenciais. Fundador com Antonio Lobo, I. Xavier de Carvalho e Corrêa de Araújo, entre outros, do movimento de renovação literária denominado "Os novos atenienses", que em fins do século XIX e início do século XX sacudiu o meio intelectual de São Luís com ideias e conceitos vanguardistas, Maranhão Sobrinho foi o mais singular poeta de sua geração. Sem dispor de recursos financeiros, publicou seus trabalhos com grande dificuldade; três livros ao todo,  com circulação restrita à província. Papéis velhos... roídos pela traça do símbolo (1908); Estatuetas (1909); Vitórias-Régias (1911).