MAR DESCONHECIDO
Sinto viver em mim um mar ignoto,
E ouço, nas horas calmas e serenas,
As águas que murmuram, como em prece,
Estranhas orações intraduzíveis.
Nos instantes inquietos e terríveis,
Dos ventos o guiar desesperado
E os soluços das ondas agoniadas.
Mas tão rico de vida e de harmonias,
Que dele sei nascer a misteriosa
Essa música errante como os ventos,
Cujas asas no mar geram tormentas.
A poesia fugiu do mundo.
O amor fugiu do mundo —
Restam somente as casas,
Os bondes, os automóveis, as pessoas,
Os fios telegráficos estendidos,
No céu os anúncios luminosos.
A poesia fugiu do mundo.
O amor fugiu do mundo —
Restam somente os homens,
Pequeninos, apressados, egoístas e inúteis.
Resta a vida que é preciso viver.
Resta a volúpia que é preciso matar.
Resta a necessidade de poesia, que é preciso contentar.
Busca os fundos e ásperos abismos,
Como é suave consolo às almas tristes
Ouvir a tua voz humana e eterna!
Cantor das almas simples e saudáveis,
Pai de Enéias, o herói piedoso e esquivo,
E dessa Dido, cujo drama ainda
Cristão antes de Cristo, a quem sentiste
Nas entranhas de um tempo inatingido.
Dá-nos do teu Amor as claras lágrimas
Para conforto de tão duras penas.
•
Augusto Frederico Schmidt nasceu e
viveu boa parte de sua vida no Rio de Janeiro. Entre o seu nascimento a 18 de
abril de 1906 e sua morte num acidente automobilístico a 8 de fevereiro de
1965, deixou o Rio em dois períodos, os dos anos de estudos na Suíça e em São
Paulo. Publicou entre outros títulos Canto brasileiro (1928), Pássaro
cego (1930), Mar desconhecido (1942), Fonte invisível (1949)
e Caminho frio (1964). Apaixonado pelos livros, atuou como editor em
várias frentes: na Livraria Schmidt Editora, onde publicou títulos como Casa
grande e senzala, de Gilberto Freyre e Caetés, de Graciliano Ramos;
e mais tarde na colaboração com o sobrinho José Alberto Gueiros numa editora
especializada em pulp fiction, Editora Monterrey.
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