terça-feira, 13 de julho de 2010

Três poemas de Augusto Frederico Schmidt




MAR DESCONHECIDO

Sinto viver em mim um mar ignoto,
E ouço, nas horas calmas e serenas,
As águas que murmuram, como em prece,
Estranhas orações intraduzíveis.
 
Ouço também, do mar desconhecido,
Nos instantes inquietos e terríveis,
Dos ventos o guiar desesperado
E os soluços das ondas agoniadas.
 
Sinto viver em mim um mar de sombras,
Mas tão rico de vida e de harmonias,
Que dele sei nascer a misteriosa
 
Música, que se espalha nos meus versos,
Essa música errante como os ventos,
Cujas asas no mar geram tormentas.
 
 
VAZIO

A poesia fugiu do mundo.
O amor fugiu do mundo —
Restam somente as casas,
Os bondes, os automóveis, as pessoas,
Os fios telegráficos estendidos,
No céu os anúncios luminosos.

A poesia fugiu do mundo.
O amor fugiu do mundo —
Restam somente os homens,
Pequeninos, apressados, egoístas e inúteis.
Resta a vida que é preciso viver.
Resta a volúpia que é preciso matar.
Resta a necessidade de poesia, que é preciso contentar.
 
 
SONETO A VIRGÍLIO
 
Nesta hora em que o mundo em desespero
Busca os fundos e ásperos abismos,
Como é suave consolo às almas tristes
Ouvir a tua voz humana e eterna!
 
Poeta de alma tão pura e olhar tão doce,
Cantor das almas simples e saudáveis,
Pai de Enéias, o herói piedoso e esquivo,
E dessa Dido, cujo drama ainda
 
Aos nossos corações tanto enternece.
Cristão antes de Cristo, a quem sentiste
Nas entranhas de um tempo inatingido.
 
Poeta e cantor da Paz, alma sensível,
Dá-nos do teu Amor as claras lágrimas
Para conforto de tão duras penas.
 
 
Augusto Frederico Schmidt nasceu e viveu boa parte de sua vida no Rio de Janeiro. Entre o seu nascimento a 18 de abril de 1906 e sua morte num acidente automobilístico a 8 de fevereiro de 1965, deixou o Rio em dois períodos, os dos anos de estudos na Suíça e em São Paulo. Publicou entre outros títulos Canto brasileiro (1928), Pássaro cego (1930), Mar desconhecido (1942), Fonte invisível (1949) e Caminho frio (1964). Apaixonado pelos livros, atuou como editor em várias frentes: na Livraria Schmidt Editora, onde publicou títulos como Casa grande e senzala, de Gilberto Freyre e Caetés, de Graciliano Ramos; e mais tarde na colaboração com o sobrinho José Alberto Gueiros numa editora especializada em pulp fiction, Editora Monterrey.
 

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