CASAMENTO
Há mulheres que dizem
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como "este foi difícil"
"prateou no ar dando rabanadas"
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.
PRA COMER DEPOIS
Na minha cidade, nos domingos de tarde,
As pessoas se põem na sombra com faca e laranjas.
Tomam a fresca e riem do rapaz de bicicleta,
A campainha desatada, o aro enfeitado de laranjas:
‘Eh bobagem!’
Daqui a muito progresso tecno-ilógico,
Quando for impossível detectar o domingo
Pelo sumo das laranjas no ar e bicicletas,
Em meu país de memória e sentimento,
Basta fechar os olhos:
É domingo, é domingo, é domingo.
Na minha cidade, nos domingos de tarde,
As pessoas se põem na sombra com faca e laranjas.
Tomam a fresca e riem do rapaz de bicicleta,
A campainha desatada, o aro enfeitado de laranjas:
‘Eh bobagem!’
Daqui a muito progresso tecno-ilógico,
Quando for impossível detectar o domingo
Pelo sumo das laranjas no ar e bicicletas,
Em meu país de memória e sentimento,
Basta fechar os olhos:
É domingo, é domingo, é domingo.
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Adélia Prado nasceu a 13 de dezembro de 1935 em
Divinópolis, Minas Gerais. Da sua obra, que inclui prosa e poesia, destaca-se
esse último gênero, do qual publicou títulos como Bagagem (1975), Terra
de Santa Cruz (1981), A faca no peito (1968), Oráculos de maio
(1999), A duração do dia (2010).
Um poema/prosa que nos encanta pela leveza e simplicidade, sem quebra do encanto ( talvez seja o próprio encanto).
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