segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Três poemas de Hart Crane


A PLANTA DO AR
Grand Cayman
Esse tufo que nasce de um salobro nada,
Polvo invertido, braços para o céu,
Rebento ressequido de palmeira de angra,
Quase ave – de ave quase um escarcéu,
É pulmonar ao vento que lhe move
Os tentáculos num meneio traiçoeiro.
A goela do lagarto, absorto com a mosca,
Infla-se, cauta, nesse trêmulo poleiro.
Serras e acúleos do cactus sangram
Leite da terra quando os vão cortar,
Mas este, sem espinhos, não espalha sangue,
Quase nem sombra, só a fala do ar.
Dínamo angelical! Ventríloquo do azul!
Enquanto o mar, covil de tubarões, se esgueira
Na praia, que conjuração dos ventos urde
O furacão – a apoteose derradeira!

Ó ILHA DO CARIBE!
A tarântula trôpega diante de um lírio,
Por entre os pés dos mortos, postos na areia branca
À beira dos corais – caranguejos cabriolas
Em zigzag na estrada (que saqueiam, subvertem
E anagramatizam teu nome) – Não, nada aqui,
Sob o torpor que um eucalipto alteia
Em sombras rotas – chora.
                                                             Mas, e se eu contar
Os dons de nácar dessas tropicais necroses,
Colares brutos, conchas, ao redor das tumbas
Crenadas com cuidado. Então
À areia branca hei de dizer um nome, fértil
Ainda que em língua estranha. Nomes de árvores, de flores
Negam a frágil cripta funerária. Devagar
O vento que se algema numa grande morte
Se dobra e se retrai. Sílabas pedem ar.
Mas onde o Capitão dos dobrões desta ilha
Sem cercas? Quem, salvo esses escribas caranguejos,
Patrulha as virilhas secas dos abrolhos?
Que homem, ou o Que
É o Fiscal do bolor para a tocaia dos sentidos?
A álgebra do Caribe enreda as lentes tórridas dos olhos!
Sob a poinciana, ao sol ou ao sol-posto,
Que os grãos de fogo em coágulos de luz
Filtrem o meu fantasma, branco e preto no ar,
Até encontrar o cômico anfitrião do azul.
Que o peregrino não se veja mais
Toda manhã no cais pregado como as grandes tartarugas
Para a lenta evisceração, os olhos duros de salmoura;
– Presas, de costa: que trovão em sua luta!
Bicos em cãibra à espera da maré vindoura!
Lixo do furacão, arrastado em seu fluxo,
Congelo-me entre ocasos, em cetim e ócio.
Dá-me a concha, Satã, – carbônico amuleto,
Selo de sal que o sol explode no oceano.

JARDIM ABSTRATO
A maçã no seu galho é tudo o que ela quer, ―
Suspensão cintilante, mímica do sol.
O ramo arrebatou-lhe o sopro, e sua voz,
Mudamente cingida aos declives e alturas
De ramo a ramo acima, turva-lhe a visão,
Prisioneira da árvore e seus dedos verdes.
E ela se sonha enfim a própria árvore.
O vento, que a possui, tece-lhe as veias jovens,
Retendo-a para o céu e seu rápido azul,
E afoga a febre de suas mãos no sol.
Ela não tem memória, medo ou esperança
Além da grama e sombras a seus pés.
* Traduções de Augusto de Campos


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