Canção do afogado
Esta corda de ferro
me aperta a cabeça,
não deixa meus braços
se erguerem no ar.
E o mar me rodeia,
afoga meus olhos.
Maninha me salve
não posso chorar!
Minha mão está presa
na corda de ferro
e os dedos não tocam
a rosa que desce,
que afunda sorrindo
nas águas do mar.
Maninha me salve
não posso nadar!
Algas flutuam
por entre os cabelos,
meus lábios de sangue
palpitam na sombra
e a voz esmagada
não pode fugir.
Maninha me salve
não posso falar!
E a rosa liberta,
a inefável rosa,
vai longe, vai longe.
Um gesto é inútil,
meu grito e meu pranto
inúteis também...
Maninha me salve
que eu vou naufragar!
De senectute
já antecipa a língua
afeita à alegoria
na carne da vida
o verme da agonia
já tritura o olho
no gral da apatia
o carvão da noite
a brasa do dia
já se junta um pé
a outro em simetria
de viagem além
da cronologia
já por metafísico
o medo anuncia
sua máquina de espantos
à alma vazia
•
José Paulo Paes nasceu em
Taquaritinga, interior de São Paulo, em 1926. Estudou química industrial em
Curitiba, onde publicou seu primeiro livro de poemas, O aluno, em 1947.
Trabalhou num laboratório farmacêutico e numa editora de livros, aposentando-se
em 1981 para poder dedicar-se inteiramente à literatura. Publicou mais de dez
livros de poesia, inclusive para o público infanto-juvenil, e foi colaborador
regular na imprensa literária. Destacou-se também como ensaísta e tradutor de
poesia. Morreu na capital do estado, em 1998.
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