ADEUS
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mão à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os meus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.
NÃO O PROCURES
Não o procures perto do mar,
não o procures
nas colinas.
Se o não descobres nos fenos,
se o não pressentes nas fontes,
procura-o nesta canção.
O seu canto vem de outro rio,
a fêmea de outro lugar.
Só quem ama assim as aves
traz o sol todo na mão.
O pão alvo está na mesa,
as azeitonas, o vinho,
ao lado a rosa, também ela
trazida de outra canção.
Não tardará que o melro branco
venha comer contigo
e com a luz fina de abril.
Assim há-de cantar um dia
a terra
o seu coração pueril.
•
Eugénio de Andrade foi nome adotado por José Fontinhas desde quando iniciou sua carreira artística. Nasceu no dia 19 de janeiro de 1923, no Fundão, distrito de Póvoa de Atalaia; viveu em Lisboa e Coimbra antes de fixar residência no Porto, onde viveu até sua morte em 13 de junho de 2005. Publicou o primeiro livro, Narciso, em 1940, porta que se abriu para mais de duas dezenas de títulos entre poesia e prosa, além das participações em antologias. Trabalhou como tradutor e para o português verteu obras de poetas como Federico García Lorca. Dentre os diversos prêmios que recebeu estão o Vida Literária da Associação Portuguesa de Escritores e o Camões.
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