sábado, 27 de novembro de 2010

Três poemas de Fiama Hasse Pais Brandão



GRAFIA 1 

Água significa ave

se

a sílaba é uma pedra álgida
sobre o equilíbrio dos olhos

se

as palavras são densas de sangue
e despem objectos

se

o tamanho deste vento é um triângulo na água
o tamanho da ave é um rio demorado

onde


as mãos derrubam arestas 
a palavra principia


A PORTA BRANCA

Por detrás desta porta,
uma de todas as portas que para mim se abrem e se fecham,
estou eu ou o universo que eu penso.
Deste meu lado, dois olhos que vigiam
os fenómenos naturais, incluindo a celeste mecânica
e as sociedades humanas, sedentárias e transumantes.

Mas podem os olhos fazer a sua enumeração,
e pode o pensado universo infindamente ir-se,
que para mim o que hoje importa
é aquela olhada vaga porta.

Que ela seja só como a vejo, a porta branca,
com duas almofadas em recorte,
lançada devagar sobre o vão do jardim,
onde o gato, por uma fenda aberta
pela sua pata, tenta ver-me,
tão alheio a versos e a universos.


MARÉ


Quando a maré baixa sob o céu róseo,
são a terra e a areia que absorvem
o infindo fumo e a neblina.

Além, um pescador; além, uma gaivota;
são os mesmos corpos movendo-se,
são a mesma inércia da morte.
O pescador revolve a areia
acocorado sobre algas douradas
em busca de mínimos seres vivos.
Um imenso bando de gaivotas intenta
separar de súbito o céu da terra
como se estas águas da ria,
tão lisas, fossem a antimatéria.

Fiama Hasse Pais Brandão nasceu no dia 15 de agosto de 1938, em Lisboa. Foi dramaturga, tradutora e poeta. Formada em Filologia Germânica na Universidade de Lisboa, exerceu atividade de pesquisa em Estudos Linguísticos e Literários. Seu primeiro livro foi Morfismos, publicado no âmbito da iniciativa Poesia 61, coletânea que refletia uma tendência poética atenta à palavra, à linguagem na sua opacidade, na busca de uma expressão depurada e não discursiva. "A criação poética de Fiama Hasse Pais Brandão impõe-se pela busca de uma expressão original, onde as palavras tentam evocar uma essência perdida, anterior à erosão do tempo e do uso corrente. A desconstrução das articulações do discurso e a sua metaforização provocam um estranhamento que conduz o leitor a despir a linguagem da sua convencionalidade e a entrever o acesso pela palavra pura a um tempo primordial", sublinha o verbete sobre a poeta editado pela Assírio & Alvim. Destacam-se na sua bibliografia, dentre outros títulos Novas visões do passado (1974), Área branca (1978), e Três rostos (1989). Morreu em Lisboa no dia 20 de Janeiro de 2006.

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