quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Dois poemas de Cruz e Sousa



VIDA OBSCURA

Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro,
Ó ser humilde entre os humildes seres.
Embriagado, tonto dos prazeres,
O mundo para ti foi negro e duro.

Atravessaste num silêncio escuro
A vida presa a trágicos deveres
E chegaste ao saber de altos saberes
Tornando-te mais simples e mais puro.

Ninguém Te viu o sentimento inquieto,
Magoado, oculto e aterrador, secreto,
Que o coração te apunhalou no mundo.

Mas eu que sempre te segui os passos
Sei que cruz infernal prendeu-te os braços
E o teu suspiro como foi profundo!

* CRUZ E SOUSA. Poesias completas. São Paulo: Ediouro, 1997.


DILACERAÇÕES

Ó carnes que eu amei sangrentamente,
Ó volúpias letais e dolorosas,
Essências de heliotropos e de rosas
De essência morna, tropical, dolente...

Carnes virgens e tépidas do Oriente
Do Sonho e das Estrelas fabulosas,
Carnes acerbas e maravilhosas,
Tentadoras do sol intensamente...

Passai, dilaceradas pelos zeros,
Através dos profundos pesadelos
Que me apunhalam de mortais horrores...

Passai, passai, desfeitas em tormentos,
Em lágrimas, em prantos, em lamentos,
Em ais, em luto, em convulsões, em cores...

* CRUZ E SOUSA. Missal/Broquéis. TEIXEIRA, Ivan (Org.). São Paulo: Martins Fontes, 1993, p.179.


Cruz e Souza nasceu em Nossa Senhora do Desterro (atual Florianópolis), Santa Catarina em 24 de novembro de 1861 e morreu em 19 de março de 1898 em Curral Novo (atual Antônio Calos), Minas Gerais. Foi um dos precursores do simbolismo no Brasil. Sua obra está reunida em títulos como Broquéis (1893), Missal (do mesmo ano) e Tropos e fantasias (poema em prosa, datado de 1895). Postumamente publicou-se Últimos sonetos (1905), Evocações (poemas em prosa, de 1898), Faróis (1900), O livro derradeiro (1961) e Dispersos (no mesmo ano do anterior.

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