O TRIPLO LOUCO
Sou dois loucos, confesso,
Por amar e, possesso,
Confessá-lo em meu verso.
Mas quem não quereria estar em mim
Se ela dissesse sim?
Como os sulcos que o mar na areia grava
Purgam do sal amargo a sua água,
Julguei que, ao espremer a minha mágoa
Nas comportas do verso, a afogava.
É menos dor, domada pela rima,
A dor que pelos números se exprima.
Mas alguém, logo após,
Para exibir a voz
Com arte e com destreza,
Vai libertar de novo essa tristeza
No anel dos versos presa.
Amor e dor em verso são prezados,
Mas não quando escutam com prazer.
Ambos crescem ao ver
Seus triunfos, assim, patenteados,
E eu, que fui dois loucos de uma vez,
Três vezes vivo a minha insensatez.
MAGIA PELA IMAGEM
Fixo meu olho no teu olho e flagro uma
Sombra de mim queimando no teu olho.
Meu retrato afogado numa lágrima
Logo abaixo recolho.
Se entendesses de imagens e magias,
Com minha imagem nas pupilas frias,
De quantos modos tu me matarias?
Tuas lágrimas sorvo, doce humor,
E ainda que outras caiam, vou deixar-te;
Meu retrato se esvai, vai-se o temor
De ser enfeitiçado por tal arte;
Só reténs, afinal,
Minha imagem num único local:
Teu coração, livre de todo o mal.
•
John Donne
nasceu em Londres, em 1572 e morreu em 1631. É autor de uma vasta obra que inclui
sonetos, poemas de amor e religiosos, traduções do latim, epigramas, elegias, canções,
sátiras e sermões.
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