CASA VAZIA
Poema nenhum, nunca mais,
será um acontecimento:
escrevemos cada vez mais
para um mundo cada vez menos,
para esse público dos ermos
composto apenas de nós mesmos,
uns joões batistas a pregar
para as dobras de suas túnicas
seu deserto particular,
ou cães latindo, noite e dia,
dentro de uma casa vazia.
FILHOS DO
NORTE
Durante toda
falsa infância,
caíam dos
céus chuvas demais
na terra
inteira e, agora, quando
deve chover,
não chove mais;
meninos
sujos, nessa rua,
brincávamos com
a lama crua;
quando
anoitecia de vez,
dentro do
copo de café
molhávamos o
pão francês;
lá fora um
deus, por trás de um muro,
devorava nosso
futuro.
ESTAÇÃO TERMINAL
O céu parece revestido
de uma camada de cimento:
deixo as marquises porque sei
que esta chuva não passará.
Se esperasse um tempo de paz,
nem meu túmulo construiria.
Começo e recomeço a casa
de papelão em pleno inverno.
Um plano, um programa de ação
debaixo de uma árvore em prantos,
e voltar à primeira página
branca e ferida pela pressa.
A poesia já não seduz
a quem mais forte ultrapassou-a,
libertando um pouco de vida
e luz, da corrente de estrelas.
Toda renúncia nos convida
a recomeçar outra busca,
porque algo a inocência perdeu
no chão, para arrastar-se assim.
CONDENSAR/CONCERTAR
A vida aqui fala bem claro,
mas sem a eloquência da lágrima;
como a renda, como a poesia,
é uma linguagem concentrada;
é cloro na água da piscina
da cobertura, lá em cima,
onde Clara, uma pós-donzela,
posa nua para o helicóptero
que faz evoluções sobre ela;
e a luz do sol, como toalha,
só existe para enxugá-la.
RELÓGIO DE PONTO
Tudo que levamos a sério
torna-se amargo. Assim os jogos,
a poesia, todos os pássaros,
mais do que tudo: todo o amor.
torna-se amargo. Assim os jogos,
a poesia, todos os pássaros,
mais do que tudo: todo o amor.
De quando em quando faltaremos
a algum compromisso na Terra,
e atravessaremos os córregos
cheios de areia, após as chuvas.
a algum compromisso na Terra,
e atravessaremos os córregos
cheios de areia, após as chuvas.
Se alguma súbita alegria
retardar o nosso regresso,
um inesperado companheiro
marcará o nosso cartão.
retardar o nosso regresso,
um inesperado companheiro
marcará o nosso cartão.
Tudo que levamos a sério
torna-se amargo. Assim as faixas
da vitória, a própria vitória,
mais do que tudo: o próprio Céu.
torna-se amargo. Assim as faixas
da vitória, a própria vitória,
mais do que tudo: o próprio Céu.
De quando em quando faltaremos
a algum compromisso na Terra,
e lavaremos as pupilas
cegas com o verniz das estrelas.
a algum compromisso na Terra,
e lavaremos as pupilas
cegas com o verniz das estrelas.
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