CATECISMO
Água benta para os olhos
ícone de circuitos e tentáculos
vaivém de saberes e cascalhos
sagrados venais profanos
agora somos cibernéticos
nem gregos nem moicanos
todos os dias oramos
Ave Maria à internet.
GUERRA
Trovão
das mortes
clareia
o carvão.
CONDIÇÕES ATMOSFÉRICAS
A noite permanece triste
no subúrbio.
Os animais humanizam os cartazes
de propaganda.
É de metal a passagem dos meses.
Pouco sabemos
do tempo vindouro.
As névoas
movimentam-se entre guindastes.
Tão indelicada
a chuva
fora de hora...
FENDA
Já não repito
os mesmos
nítidos
idos gestos
entre lábios
cresce
orvalho
o novo travo.
Não sai o som
da voz
na manhã seguinte
com igual exatidão:
mudei
de mim?
Entre ontem
e amanhã
minha face
tem o rosto
- de quem?
POÉTICA
Sem autoria e sem versos a poesia será encontrada
na pedra
no rosto e na copa das árvores ensimesmada
sinal
da sina
cor nos azulejos
o abraço das palavras
renova a presença das portas
e janelas de uma casa.
A poesia sim
se presta à prosa
da vida
invisível porcelana.
•
Fernando Paixão nasceu em 1955 na aldeia portuguesa de Beselga. Mudou-se para o Brasil em 1961, onde formou-se em jornalismo pela Universidade de São Paulo; na mesma instituição concluiu mestrado sobre a poesia de Mário de Sá-Carneiro. Dentre os livros que publicou destacam-se, em poesia, Rosa dos tempos (1980), livro que seria mais tarde recusado. Considera que sua obra principia com Fogo dos rios e 25 azulejos, de 1994.
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