FOTOGRAFIA
DE 11 DE SETEMBRO
Atiraram-se
dos andares em chamas.
Um, dois, ainda alguns,
mais acima, mais abaixo.
Um, dois, ainda alguns,
mais acima, mais abaixo.
A fotografia
deteve-os na vida,
preservou-os
sobre a terra rumo à terra.
preservou-os
sobre a terra rumo à terra.
Cada um
ainda na íntegra,
com rosto individual
e sangue bem guardado.
com rosto individual
e sangue bem guardado.
Ainda há
tempo
para os cabelos esvoaçarem
e do bolso caírem
chaves e alguns trocos.
para os cabelos esvoaçarem
e do bolso caírem
chaves e alguns trocos.
Ainda estão
no âmbito do ar,
ao alcance dos lugares
que acabaram de se abrir.
ao alcance dos lugares
que acabaram de se abrir.
Só duas
coisas posso por eles fazer
descrever este voo
e não acrescentar a última frase.
descrever este voo
e não acrescentar a última frase.
A ALEGRIA DA
ESCRITA
Para onde corre essa corça escrita pelo bosque escrito?
Vai beber da água escrita.
que lhe copia o focinho como papel-carbono?
Por que ergue a cabeça, será que ouve algo?
Apoiada sobre as quatro patas emprestadas da verdade
sob meus dedos apura o ouvido.
Silêncio – também essa palavra ressoa pelo papel
e afasta
os ramos que a palavra "bosque" originou.
Na folha branca se aprontam para o salto
as letras que podem se alojar mal
as frases acossantes,
perante as quais não haverá saída.
Numa gota de tinta há um bom estoque
de caçadores de olho semicerrado
prontos a correr pena abaixo,
rodear a corça, preparar o tiro.
Esquecem-se de que isso não é a vida.
Outras leis, preto no branco aqui vigoram.
Um pestanejar vai durar quanto eu quiser,
e se deixar dividir em pequenas eternidades
cheias de balas suspensas no voo
Para sempre se eu assim dispuser nada aqui acontece
Sem meu querer nem uma folha cai
nem um caniço se curva sob o ponto final de um casco.
Existe então um mundo assim
sobre o qual exerço um destino independente?
Um tempo que enlaço com correntes de signos?
Uma existência perene por meu comando?
A alegria da escrita.
O poder de preservar
A vingança da mão mortal.
•
Poeta e ensaísta, Wisława Szymborska nasceu a 2 de julho de 1923 em Bnin, Polônia. Em 1931 mudou-se com a família para a Cracóvia, onde viveu até 1º de fevereiro de 2012. Estudou Literatura e Sociologia, trabalhou por quase trinta anos na revista literária Zycie Literackie. Ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 1996.
* Traduções
de Elzbieta Milewska e Sérgio Neves