LINHA
É menos o que lembro que
É menos o que lembro que
o que esqueço Sobre
a linha febril onde o presente
desaparece imerso na luz frágil do sono
(de tanto interrogar esta hora que esgota
a ilusão da noite
movo os olhos abertos entre as
formas procurando a mudança)
confundo com a sombra, em que apareço
por momentos real,
o meu corpo Pareço-me
comigo noutro quarto A realidade
invade o céu A luz
desmoronou o cérebro, castelo
* De revista A Phala, edição n. 14, abril-junho de 1989.
SOM DA LINGUAGEM
Por vezes reaprendo
o som inesquecível da linguagem
Há muito desligadas
formam frases instáveis as
palavras
Aos excessos do céu cede o silêncio
as constelações caem vitimadas
pelo eco da fala
SOM DA LINGUAGEM
Por vezes reaprendo
o som inesquecível da linguagem
Há muito desligadas
formam frases instáveis as
palavras
Aos excessos do céu cede o silêncio
as constelações caem vitimadas
pelo eco da fala
* De Câmpanula
RELATÓRIO EM FORMA FECHADA
Os estragos da noite foram vastos,
inversos ao pulsar da primavera:
há tempo em que se luta pelos gastos
rastos da vida e o tempo novo gera
inversos ao pulsar da primavera:
há tempo em que se luta pelos gastos
rastos da vida e o tempo novo gera
desilusão somente, esse viscoso
correr da insónia como se já água
as lágrimas não fossem e no fosso
há pouco aberto qualquer outra água
correr da insónia como se já água
as lágrimas não fossem e no fosso
há pouco aberto qualquer outra água
de natureza opaca suspendesse
a sua interminável queda; voltas
por fim à noite espessa que já tece
a madrugada com as linhas soltas
a sua interminável queda; voltas
por fim à noite espessa que já tece
a madrugada com as linhas soltas
da minha vida, versos que transformam
em realidade as sílabas que os formam
em realidade as sílabas que os formam
* De A moeda do tempo
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Tornara-se perfeita a coincidência:
sobre a mesa puseras os braços e subia
o teu olhar; ameaçavas mas eras
o ser ameaçado, por um tiro talvez;
nesse momento não podias
nem mesmo suspeitar de como era tão breve
a personagem
de que não te separaras
sobre a mesa puseras os braços e subia
o teu olhar; ameaçavas mas eras
o ser ameaçado, por um tiro talvez;
nesse momento não podias
nem mesmo suspeitar de como era tão breve
a personagem
de que não te separaras
* De Fogo
•
Autor de uma obra que aparece
ligada ao coletivo Poesia 61 e destacado entre os principais nomes da poesia de
língua portuguesa, Gastão Cruz também exerceu sua atividade literária na prosa
e no teatro, além de escrever crítica e se dedicar ao trabalho da tradução. Na
poesia, é o autor de mais de duas dezenas de títulos; Campânula, Órgão de
luzes, As pedras negras, A moeda do tempo, Observação do verão, Fogo, Óxido e Existência são alguns desses livros. No teatro, foi um dos
fundadores do Grupo de Teatro Hoje, para o qual encenou obras de Camus,
Tchekhov e Carlos de Oliveira. E, como tradutor, trouxe ao português obras de
autores como William Blake, Jean Cocteau e Shakespeare. Sua longa trajetória
dedicada às letras obteve alguns importantes reconhecimentos em seu país, como
o Grande Prêmio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores, o Prêmio D.
Dinis e Prêmio Correntes d’Escrita. Formado em Filologia Germânica pela
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Gastão Cruz nasceu em Faro a 20
de julho de 1941 e morreu em Lisboa no dia 20 de março de 2022.
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