Sê quem me lê,
decifrador de enigmas.
Folheia-me como a uma árvore de folhas soltas,
se é outono.
Todas as palavras mentem, no interior da sua
obscuridade.
Nada te prende ao verso,
aos seus ínvios caminhos,
às suas seduções de velha prostituta.
Que não cedas a essa luz de remotas lantejoulas,
às flores vivas que segura.
No intervalo das fontes,
nas imediações do rio, temível é a palavra,
a cólera de deus.
Se desceres os últimos degraus,
escutarás essa voz que ecoa nos labirintos e depois
só o fio através das cisternas –
ou talvez nas montanhas de fogo não suportarás
a claridade,
queimada de presságios.
Não oiças, não olhes:
ferem-te as palavras do deus e as suas garras de tigre
nos muros de um coração que não o teu:
devorado já pelas páginas que lês,
desprendendo-se das folhas e do outono,
batendo devagar
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Poema publicado inicialmente na Revista A Phala, edição 1, abril-junho de 1986, p.4
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