quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Quatro poemas de Roberto Bolaño



OS DETETIVES

Sonhei com detetives perdidos na cidade escura.
Ouvi seus gemidos, suas náuseas, a delicadeza
De suas fugas.
Sonhei com dois pintores que ainda não tinham
40 anos quando Colombo
Descobriu a América.
(Um clássico, atemporal, o outro
Moderno sempre,
Como a merda.)
Sonhei com uma pegada luminosa,
A senda das serpentes
Percorrida uma vez ou outra
Por detetives
Absolutamente desesperados.
Sonhei com um caso difícil,
Vi os corredores cheios de policiais,
Vi os questionários que ninguém resolve,
Os arquivos ignominiosos,
E logo vi o detetive
Voltar ao local do crime
Solitário e tranqüilo
Como os piores pesadelos,
Eu o vi sentar-se no chão e fumar
Num dormitório com sangue seco
Enquanto os ponteiros do relógio
Viajavam encolhidos pela noite
Interminável.


OS DETETIVES PERDIDOS

Os detetives perdidos na cidade escura.
Ouvi seus gemidos.
Ouvi seus passos no Teatro da Juventude.
Uma voz avançando como uma flecha.
Sombra de cafés e parques
Frequentados na adolescência.
Os detetives que observam
Suas mãos abertas,
O destino manchado com seu próprio sangue.
E você não pode nem mesmo se lembrar
Onde estava a ferida,
Os rostos que você amou um dia,
A mulher que salvou a sua vida.


OS DETETIVES GELADOS

Sonhei com detetives gelados, detetives latino-americanos
Que tentavam manter os olhos abertos
No meio do sonho.
Sonhei com crimes horríveis
E com tipos cuidadosos
Que procuravam não pisar nas poças de sangue
E ao mesmo tempo abarcar com um só olhar
a cena do crime.
Sonhei com detetives perdidos
No espelho convexo dos Arnolfini:
nossa época, nossas perspectivas,
nossos modelos de Espanto.


AUTO-RETRATO AOS VINTE ANOS

Eu fui embora, tomei meu caminho e nunca soube
até onde poderia me levar. Fui cheio de medo,
meu estômago revirou e a cabeça zumbia:
acho que era o ar frio dos mortos.
Não sei. Me deixei ir, pensei que era uma pena
terminar tão de repente, mas por outro lado
escutei aquele chamado misterioso e convincente.
Ou você o escuta ou não o escuta, e eu o escutei
e quase caí no choro: um som terrível,
nascido no ar e no mar.
Um escudo e uma espada. Então,
apesar do medo, me deixei ir, encostei minha face
na face da morte.
E era impossível fechar meus olhos e não ver
aquele espetáculo estranho, lento e estranho,
ainda que embutido numa realidade rapidíssima:
milhares de garotos como eu, imberbes
ou barbados, mas todos latino-americanos,
unindo suas faces com as da morte.


Roberto Bolaño nasceu a 28 de abril de 1953, em Santiago do Chile. Instalado na Espanha a partir de 1977, exerceu diversas atividades manuais para sobreviver. Depois do sucesso de crítica de La literatura nazi en América (1996), publicou várias obras em poucos anos. Morreu em Barcelona, em 15 julho de 2003.

* Tradução de Rodrigo Garcia Lopes. Publicado inicialmente no Portal Cronópios.


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