ARTE POÉTICA
Vai pois, poema, procura
a voz literal
que desocultamente fala
sob tanta literatura.
Se a escutares, porém, tapa os ouvidos,
porque pela primeira vez estás sozinho.
Regressa então, se puderes, pelo caminho
das interpretações e dos sentidos.
Mas não olhes para trás, não olhes para trás,
ou jamais te perderás;
e teu canto, insensato, será feito
só de melodia e de respeito.
E de discórdia. E todavia
sob tanto passado insepulto
o que encontraste senão tumulto,
senão de novo ressentimento e ironia?
TODAS AS PALAVRAS
Vai pois, poema, procura
a voz literal
que desocultamente fala
sob tanta literatura.
Se a escutares, porém, tapa os ouvidos,
porque pela primeira vez estás sozinho.
Regressa então, se puderes, pelo caminho
das interpretações e dos sentidos.
Mas não olhes para trás, não olhes para trás,
ou jamais te perderás;
e teu canto, insensato, será feito
só de melodia e de respeito.
E de discórdia. E todavia
sob tanto passado insepulto
o que encontraste senão tumulto,
senão de novo ressentimento e ironia?
TODAS AS PALAVRAS
As que procurei em vão,
principalmente as que estiveram muito perto,
como uma respiração,
e não reconheci,
ou desistiram e
partiram para sempre,
deixando no poema uma espécie de mágoa
como uma marca de água impresente;
as que (lembras-te?) não fui capaz de dizer-te
nem foram capazes de dizer-me;
as que calei por serem muito cedo,
e as que calei por serem muito tarde,
e agora, sem tempo, me ardem;
as que troquei por outras (como poderei
esquecê-las desprendendo-se longamente de
mim?);
as que perdi, verbos e
substantivos de que
por um momento foi feito o mundo
e se foram levando o mundo.
E também aquelas que ficaram,
por cansaço, por inércia, por acaso,
e com quem agora, como velhos amantes sem
desejo, desfio memórias,
as minhas últimas palavras.
•
Manuel
António Pina nasceu no dia 18 de novembro de 1943, em Sabugal, cidade
pertencente à região da Beira Alta, Portugal. Formou-se em Direito pela
Universidade de Coimbra, foi advogado, jornalista, poeta e escritor. Publicou
17 livros de poesia, de Ainda não é o fim nem o princípio do mundo calma é
apenas um pouco tarde (1974); até Todas as palavras: poesia reunida (2012).
Em 2011, recebeu o Prêmio Camões. Morreu em 2012, na cidade do Porto.
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