quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Três poemas de Manuel Bandeira



A Estrela da Manhã

Eu quero a estrela da manhã
Onde está a estrela da manhã?
Meus amigos meus inimigos
Procurem a estrela da manhã

Ela desapareceu ia nua
Desapareceu com quem?
Procurem por toda a parte

Digam que sou um homem sem orgulho
Um homem que aceita tudo
Que me importa? Eu quero a estrela da manhã

Três dias e três noites
Fui assassino e suicida
Ladrão, pulha, falsário

Virgem mal-sexuada
Atribuladora dos aflitos
Girafa de duas cabeças
Pecai por todos pecai com todos

Pecai com os malandros
Pecai com os sargentos
Pecai com os fuzileiros navais
Pecai de todas as maneiras

Com os gregos e com os troianos
Com o padre e com o sacristão
Com o leproso de Pouso Alto

Depois comigo

Te esperarei com mafuás novenas cavalhadas
comerei terra e direi coisas de uma ternura tão simples
Que tu desfalecerás
Procurem por toda parte
Pura ou degradada até a última baixeza
eu quero a estrela da manhã


Belo Belo

Belo belo belo,
Tenho tudo quanto quero.

Tenho o fogo de constelações extintas há milênios.
E o risco brevíssimo - que foi? passou - de tantas estrelas cadentes.

A aurora apaga-se,
E eu guardo as mais puras lágrimas da aurora.

O dia vem, e dia adentro
Continuo a possuir o segredo grande da noite.

Belo belo belo,
Tenho tudo quanto quero.

Não quero o êxtase nem os tormentos.
Não quero o que a terra só dá com trabalho.

As dádivas dos anjos são inaproveitáveis:
Os anjos não compreendem os homens.

Não quero amar,
Não quero ser amado.
Não quero combater,
Não quero ser soldado.

- Quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples.


Gazal em Louvor de Hafiz

Escuta o gazal que fiz,
Darling, em louvor de Hafiz:

- Poeta de Chiraz, teu verso
Tuas magoas e as minhas diz.

Pois no mistério do mundo
Também me sinta infeliz.

Falaste: “Amarei constante
Aquela que não me quis.”

E as filhas de Samarcanda,
Cameleiros e sufis

Ainda repetem os cantos
Em que choras e sorris.

As bem amadas ingratas,
São pó; tu, vives, Hafiz!

Petrópolis, 1943


Manuel Bandeira nasceu no Recife no dia 19 de abril de 1886. Ingressou em 1903 na Escola Politécnica, pretendendo tornar-se arquiteto; à noite estuda desenho e pintura com o arquiteto Domenico Rossi no Liceu de Artes e Ofícios. No final do ano de 1904, o fica sabendo que está tuberculoso, abandona suas atividades e volta para o Rio de Janeiro e em busca de melhores climas para sua saúde, passa temporadas em diversas cidades – Campanha, Teresópolis, Maranguape, Uruquê, Quixeramobim. Em 1917 publica seu primeiro livro, A cinza das horas, numa edição de 200 exemplares custeada pelo autor. Depois disso, sua obra se expande em vias diversas: além da poesia, cultiva a crônica e o ensaio. Dos títulos vale citar CarnavalLibertinagemEstrela da manhã (poesia), Crônicas da província do BrasilAndorinha, Andorinha (crônica), Apresentação da poesia brasileiraHistória das literaturasItinerário de Pasárgada (ensaio). Bandeira morreu em 13 de outubro de 1968. 

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