domingo, 24 de novembro de 2013

Três poemas de Cruz e Sousa por Paulo Leminski



mudez perversa

Que mudez infernal teus lábios cerra
que ficas vago, para mim olhando
na atitude de pedra, concentrando
no entanto, n'alma, convulsões de guerra!

A minha tal fel essa mudez encerra,
tais demônios revéis a estão forjando,
que antes te visse morto, desabando
sobre o teu corpo grossas pás de terra.

Não te quisera nesse atroz e sumo
mutismo horrível que não gera nada,
que nada diz nada, não tem fundo e rumo.

Mutismo de tal dor desesperada,
que, quando o vou medir com o estranho prumo
da alma, fico com a alma alucinada!


alda

Alva do alvor das límpidas geleiras,
Desta ressumbra candidez de aromas...
Parece andar em nichos e redomas
De Virgens medievais que foram freiras.

Alta, feita no talhe das palmeiras,
A coma de ouro, com o cetim das comas,
Branco esplendor de faces e de pomas,
Lembra ter asas e asas condoreiras.

Pássaros, astros, cânticos, incensos,
Formam-lhe auréolas, sóis, nimbos imensos
Em torno à carne virginal e rara.

Alda faz meditar nas monjas alvas,
Salvas do Vício e do Pecado salvas,
Amortalhadas na pureza clara.


cristo de bronze

Ó Cristos de ouro, de marfim, de prata,
Cristos ideais, serenos, luminosos,
Ensanguentados Cristos dolorosos
Cuja cabeça a Dor e a Luz retrata.

Ó Cristos de altivez intemerata,
Ó Cristos de metais estrepitosos
Que gritam como os tigres venenosos
Do desejo carnal que enerva e mata.

Cristos de pedras, de madeira e barro...
Ó Cristo humano, estético, bizarro,
Amortalhado nas fatais injúrias...

Na rija cruz aspérrima pregado
Canta o Cristo de bronze do Pecado,
Ri o Cristo de bronze das luxúrias!...

* Poemas selecionados por Paulo Leminski para a biografia de Cruz e Sousa.


Cruz e Souza nasceu em Nossa Senhora do Desterro (atual Florianópolis), Santa Catarina em 24 de novembro de 1861 e morreu em 19 de março de 1898 em Curral Novo (atual Antônio Calos), Minas Gerais. Foi um dos precursores do simbolismo no Brasil. Sua obra está reunida em títulos como Broquéis (1893), Missal (do mesmo ano) e Tropos e fantasias (poema em prosa, datado de 1895). Postumamente publicou-se Últimos sonetos (1905), Evocações (poemas em prosa, de 1898), Faróis (1900), O livro derradeiro (1961) e Dispersos (no mesmo ano do anterior.

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