NOITES BRANCAS
Ninguém aqui,
e o corpo diz: tudo que se diga
não se deve dizer. Mas ninguém
também é corpo, e o que diz o corpo
ninguém escuta
além de ti.
Neve e noite. A iteração
de um assassinato
entre as árvores. A pena
corre pela terra: não sabe mais
o que há de ser, e a mão que a sustém
sumiu.
Mesmo assim, escreve.
Escreve: no começo,
entre as árvores, um corpo vem andando
da noite. Escreve:
o branco do corpo
é da cor da terra. É a terra
e a terra escreve: tudo
é da cor do silêncio.
Não estou mais aqui. Jamais disse
o que dizes
que disse. E, no entanto, o corpo é um lugar
onde nada more. E a noite toda,
dentre o silêncio das árvores, tu sabes
que minha voz
vem andando para ti.
1.
De solidão, ele recomeça -
como se fosse a última vez
que respira,
e portanto seja agora
que respira pela primeira vez
além das garras
do singular.
Está vivo, e portanto é nada
além do que se afoga no insondável poço
de seu olho,
e o que vê
é tudo o que não é: uma cidade
do indecifrado
evento,
e portanto uma língua de pedras,
já que sabe que pelo todo da vida
uma pedra
abrirá caminho a outra pedra
para erguer um muro
e que todas essas pedras
formarão a suma monstruosa
dos particulares.
•
Paul Auster nasceu a 3 de
fevereiro de 1947, em Newark. Reconhecido entre os mais importantes romancistas
do seu tempo, sua incursão pela literatura, entretanto, começou pela poesia. Toda
a produção neste gênero foi reunida em Todos os poemas.
* Tradução de Caetano W. Galindo.
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