sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Três poemas de Fernando Namora



INTERVALO

Quando nasci, entre rendas e afagos egoístas,
os rouxinóis, pela noite, namoravam a Prima
                             vera...
Os sinos ficaram tolhidos e tristes
como se os meus gritos lhes pesassem na alma.
Minha Mãe, nessa noite,
sonhou com o aceno molhado dum lenço branco
num dia de partia...

Ó Terra!
Porque não estouraste nesse momento?


COISAS, PEQUENAS COISAS

Fazer das coisas fracas um poema.

Uma árvore está quieta,
murcha, desprezada.

Mas se o poeta a levanta pelos cabelos
e lhe sopra os dedos,
ela volta a empertigar-se, renovada.

E tu, que não sabias o segredo,
perdes a vaidade.

Fora de ti há o mundo
e nele há tudo
que em ti não cabe.

Homem, até o barro tem poesia!
Olha as coisas com humildade.


POEMA DA NOITE-DIA

A noite veio com os suas vozes de mistério,
vozes embrulhadas de silêncio pesado e soturno
onde se chocam desejos para o dia claro de
amanhã,
quando as estrelas partirem para um naufrágio
distante.

A noite veio.

E, com ela, a via passa,
trágica, mais curvada a um destino de degredo.
As luzes dos lampiões lembram fantochadas
de vida, ridículas e inúteis
para afundarem os homens numa última esperança condenada.
A chuva vem chorar perto de nós
quebrando-se sem remédio nas vidraças.

A noite veio...

A minha alma debruçou-se sobre a noite,
enchendo-se desta poesia irmã de interrogações
e reinos lendários
com castelos cor-de-rosa e a fada de cabelos
compridos
dos contos ao menino de olhos ingénuos do
retrato grande na parede.

Noite de sonhos diurnos!

És tu verdadeiramente a isolada beleza dos meus dias!

Fernando Namora nasceu em Condeixa-a-Nova, a 15 de abril de 1919. Autor de uma extensa obra que inclui crônica, conto, novela, romance e poesia, foi um dos importantes e mais expressivos nomes do Neorrealismo português. Sua obra começa com a publicação da antologia de poemas Relevos, fortemente influenciados pelos ideais do grupo da Presença. Nesse gênero publicou ainda As frias madrugadas, Marketing e Nome para uma casa. Morreu em Lisboa a 31 de janeiro de 1989. 


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