O AMOR AOS SESSENTA
Isto que é o amor (como
se o amor não fosse
esperar o relâmpago clarear o degredo):
ir-se por tempo abaixo como grama em colina,
preso a cada torrão de minuto e desejo.
esperar o relâmpago clarear o degredo):
ir-se por tempo abaixo como grama em colina,
preso a cada torrão de minuto e desejo.
Ser contigo, não sendo
como as fases da lua,
como os ciclos de chuva ou a alternância dos ventos,
mas como numa rosa as pétalas fechadas,
como os olhos e as pálpebras ou a sombra dos remos
como os ciclos de chuva ou a alternância dos ventos,
mas como numa rosa as pétalas fechadas,
como os olhos e as pálpebras ou a sombra dos remos
contra o casco do barco
que se vai, sem avanço
e sem pressa de ausência, entre o mito e o beijo.
Ser assim quase eterno como o sonho e a roda
e sem pressa de ausência, entre o mito e o beijo.
Ser assim quase eterno como o sonho e a roda
que se fecha no espaço deste sol às estrelas
e amar-te, sabendo que a
velhice descobre
a mais bela beleza no teu rosto de jovem.
a mais bela beleza no teu rosto de jovem.
A DESPEDIDA DA MORTE
Falo de mim porque bem
sei que a vida
lava o meu
rosto com o suor dos outros,
que também sou, pois sou
tudo o que posto
ao meu redor se cala, e é pedra,
ou, água,
cicia apenas —O teu
tempo é a trava
que te impede de ter a
calma clara
do chão de lajes que o sol
recobre,
este esperar por tudo que
não corre,
nem pára e nem se apressa, e é só estado,
e nem sequer
murmura: — O que te trazem
é o riso e o lamento, o ser
amado
e o roçar cada dia a
tua morte,
que não repõe em ti o, sem
passado,
ficar no teu escuro, pois
herdaste
e legas um sussurro,
um som de passos,
uma sombra, um olhar
sobre a paisagem,
memória, cálcio, húmus,
eis que o mundo
nada rejeita, sendo pobre e triste
no esplendor que nos dá.
A madrugada.
SONETO
Uma ausência de mim por
mim se afirma.
E, partindo de mim, na
sombra sobre
chão que não foi meu, na
relva simples
outro ser que sonhei se deita e cisma.
Sonhei-o ou me sonhei?
Sonhou-me o outro
— e o mundo a
circundar-me, o ar, as flores,
os bichos sob o sol,
a chuva e tudo-
ou foi o sonho
dos demais que sonho?
A epiderme da vida me
vestiu,
ou breve imaginar de um
ócio inútil
ergueu da sombra a minha
carne, ou sou
um casulo de tempo, o centro e
o sopro
da cisma do outro ser que
de mim fala
e que, sonhando o mundo,
em mim se acaba.
IMITAÇÃO DE BOTTICELLI
Como a luz numa caixa de
laranjas,
ou a chuva sobre a mesa
de verduras no mercado,
desce a manhã neste
jardim, descalça,
e as flores que traz, na
involuntária beleza,
parecem, contra seu corpo
de verão enfunado,
musgo, limo, ferrugem, as
feridas que os pássaros
abrem na casca lisa e
perfeita de um fruto.
•
Alberto da Costa e Silva nasceu em São
Paulo a 12 de maio de 1931. Autor importante como ensaísta, memorialista,
historiador e poeta. Desta última expressão publicou títulos como O parque e
outros poemas (1953), O tecelão (1962), Livro de linhagem
(1966), As linhas da mão (1978), A roupa no estendal, o muro, os
pombos (1981), entre outros. Pela obra poética recebeu em 2000 o Prêmio
Jabuti.
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