sábado, 31 de maio de 2014

Três poemas de Arménio Vieira



Parábola

Por esse tempo um monstro, a Esfinge, devastava os arredores de Tebas, devorando os viandantes que não adivinhavam os seus enigmas (...)

Sobre o desenho de um templo
traço o poema e digo

é néscia a palavra
é fífia o som
é vazia a garganta

Falsa é a voz que vibra o santuário
- a besta de Tebas ocupa já
o plano mais alto
no pedestal dos deuses

tudo encenado e em acto
(Oh, não falte quem engula
o oráculo e a hóstia!)

COM ÉDIPO AUSENTE
- TAL É A MISTIFICAÇÃO DA PALAVRA


Posfácio

Para Manuel Ferreira

Num retomar constante e abandono
os poemas podem ser assim ou de outro modo
até ao infinito. Só que estes
(não importa o sangue ou seiva que a outros se foi pedir)
são bem as marcas que o estar-no-mundo e a dor
feriram numa certa pedra.
E fora outra a sorte ou talvez o lugar e o tempo
e seria diferente o livro
e a lembrança que de uma obra fica
depois de lida e entregue aos bichos.


Construção vertical

Com pauzinhos de fósforo
podes construir um poema.

Mas atenção: o uso da cola
estragaria o teu poema.

Não tremas: o teu coração,
ainda mais que a tua mão,
pode trair-te. Cuidado!

Um poema assim é árduo.
Sem cola e na vertical,
pode levar uma eternidade.

Quando estiver concluído,
não assines, o poema não é teu.

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