PÁSSAROS MATINAIS
Desperto o automóvel
que tem o para-brisas coberto de pólen.
Coloco os óculos de sol.
O canto dos pássaros escurece.
Enquanto isso outro homem compra um jornal
na estação de trem
junto a um grande vagão de carga
completamente vermelho de ferrugem
que cintila ao sol.
Não há vazios por aqui.
Cruza o calor da primavera um corredor frio
por onde alguém entra depressa
e conta que como foi caluniado
até na Direção.
Por uma parte de trás da paisagem
chega a gralha
negra e branca. Pássaro agourento.
E o melro que se move em todas as direções
até que tudo seja um desenho a carvão,
salvo a roupa branca na corda de estender:
um coro da Palestina:
Não há vazios por aqui.
É fantástico sentir como cresce o meu poema
enquanto vou-me encolhendo
cresce, ocupa o meu lugar.
Desloca-me.
Expulsa-me do ninho.
O poema está pronto.
A ÁRVORE E A NUVEM
Uma árvore anda de aqui para ali sob a chuva,
com pressa, ante nós, derramando-se na cinza.
Leva um recado. Da chuva arranca vida
como um melro ante um jardim de fruta.
Quando a chuva cessa, detém-se a árvore.
Vislumbramo-la direita, quieta em noites claras,
à espera, como nós, do instante
em que flocos de neve desabrochem no espaço.
A NEVE CAI
Avizinham-se os funerais
cada vez mais densos
como placas da rua
quando nos aproximamos de alguma cidade.
De mil pessoas o contemplar
no lugar das imensas sombras.
Uma ponte constrói-se
devagar
eternamente a direito no espaço.
A INSEGURANÇA NACIONAL
A subsecretária inclina-se para a frente e desenha um X
E os seus brincos balançam com as espadas de Dâmocles.
Como uma manchada borboleta é contra o chão invisível
também o demônio se funde com o jornal aberto.
Um elmo que por ninguém usado o poder tomou
A mãe tartaruga foge voando sob as águas.
HISTÓRIAS DE MARINHEIROS
Há dias de Inverno sem neve em que o mar é parente
de espaços montanhosos, encolhido sob plumagem cinza,
azul apenas por um minuto, longas horas com ondas quais pálidos
linces, em vão buscando sustento nas pedras à beira-mar.
Em dias como estes saem do mar restos de naufrágios à procura
dos seus proprietários, sentados no sussurro da cidade, e afogadas
tripulações vêm a terra, mas tênues que fumaça de cachimbo.
(No Norte andam verdadeiros linces, com garras afiadas
e olhos sonhadores. No Norte, onde o dia
vive numa mina, de dia e de noite.
Ali, onde o único sobrevivente pode estar
junto ao forno da Aurora Boreal escutando
a música dos mortos de frio).
Nenhum comentário:
Postar um comentário