Do sangue no
amor, o movimento para fora
O desabrigo
completo. Penetro os múltiplos
Sentidos da
palavra que sopra a sua voz
Nos pulsos.
Crivo a pulsação do canto
E encontro
O silêncio
inigualável de quem escuta
Eis porque
as minhas entranhas vibram de modo igual
Ao da cítara
Eu peneiro
as entranhas e encontro a dor
De quem toca
a cítara. A frágil raiz
De quem
criva horas e horas a vida e encontra
A corda mais
azul, a veia inesgotável
De quem ama
Encontro o
silêncio nas entranhas de quem canta
Eis porque o
amor vibra no espírito de quem criva
O músico
incompleto peneira a ideia das formas
Eu sopro a
água viva. Crivo
O sofrimento
demorado do canto
Encontro o
mistério
Da cítara
*
Trabalho a
partir da existência da luz
E de certos
minerais
Mesmo se não
mereço a matéria luminosa
Da terra
soprada donde o homem vem. A ânfora, o vidro. E recolho
O fogo
Quando como
no princípio a manhã se abeira
Trabalho a
partir da ceifa matinal. Experimento
A paveia
antiga do homem vergado, o rumor enxugado do líquido
Na névoa, no
orvalho, na carne
Da palavra
calculando o voo
Pelo reflexo
sobre as águas: no início
Trabalho na
água que a voz movimentou
Gerando os
sismos: e sou
O húmus, o
barro nas margens
O homem que
nunca compreendeu
*
Sem outra
palavra para mantimento
Sem outra
força onde gerar a voz
Escada entre
o poço que cavaste em mim e a sede
Que cavaste
no meu canto, amo-te
Sou cítara
para tocar as tuas mãos.
Podes
dizer-me de um fôlego
Frase em
silêncio Homem que visitas
Ó seiva
aspergindo as partículas do fogo
O lume em
toda a casa e na paisagem
Fora da casa
Pedra do
edifício aonde encontro
A porta para
entrar
Candelabro
que me vens cegando.
Sol
Que quando
és nocturno ando
Com a noite
em minhas mãos para ter luz.
*
Homens que
são como lugares mal situados
Homens que
são como casas saqueadas
Que são como
sítios fora dos mapas
Como pedras
fora do chão
Como
crianças órfãs
Homens
agitados sem bússola onde repousem
Homens que
são como fronteiras invadidas
Que são como
caminhos barricados
Homens que
querem passar pelos atalhos sufocados
Homens
sulfatados por todos os destinos
Desempregados
das suas vidas
Homens que
são como a negação das estratégias
Que são como
os esconderijos dos contrabandistas
Homens
encarcerados abrindo-se com facas
Homens que
são como danos irreparáveis
Homens que
são sobreviventes vivos
Homens que
são sítios desviados
Do lugar
*
A pedra tem
a boca junto do ouvido
E para
dentro de si mesma sem cessar se diz.
Se cair nos
olhos
Quebrar-se-á
em pranto.
Se rodar no
dorso
Vergar-me-á.
Pesa-me no
bolso
E na cabeça.
Não é um
pensamento.
É uma ideia
ensimesmada. Uma pedra fechada
Pelo lado de
dentro.
*
Sou gémeo de
mim e tudo
O que sou é
Distância.
Estou
sentado sobre os meus joelhos
Separado.
Aquilo que
une
É um rumor.
Não
descanso. Sou urgência
De outro
sítio. E pudesse velar-me
Longe
Dos homens
como se neles
Adormecesse.
•
Daniel Faria nasceu a 10 de abril
de 1971, em Baltar-Paredes. Seu interesse pela poesia é despertado quando foi
estudar no seminário e pelo contato com a obra de autores como Eugénio de
Andrade e Sophia de Mello Breyner Andresen. É desse período de férteis leituras
que inicia a publicação esparsa de seus primeiros poemas. Morreu a 9 de junho
de 1999. Sua poesia completa foi reunida por Vera Vouga e está publicada pela Assírio e Alvim.
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