Sou um homem
sem títulos
Sou um homem
sem títulos,
Sou todo
legenda.
O que me
consola é a valsa
A linha azul
sem rumo
Que me
envolve e me supera,
O sol que me
entontece,
A carta que
me busca,
A lágrima
sem dor.
Percebe-se
que de meus bolsos brotam ervas
Com raízes
no deserto
E o paletó
me embrulha das mentiras
Que julgo
convencionais.
Não atino
com o público
Se não o seu
jeito de me odiar.
Se no vento
busco a forma de meus cabelos
Nos quais me
deito e me enrijeço,
De outro
modo, o corpo, sem relevo, escuda-me.
As anônimas
Ó amadas de
todas as noites
Sei que vos
esquecereis todas
Vossos olhos
vossos peitos.
Ó amadas
pretas e brancas
Incógnitas
das ruas longínquas,
Amadas
franzinas
De lírios
portões sereis esquecidas.
Amadas de
quartos cheirando a água de Colônia,
Vos
esquecereis,
Vossos
olhos,
Vossos
peitos.
A casa
Esta casa é
uma ruína,
quase
terreno baldio:
coração de
minha mãe
– esta terra
de ninguém,
está cheio e
está vazio.
Esta casa
vem abaixo,
está prestes
a cair.
Esta casa
foi à lua,
esta casa
foi um tronco,
foi navio
Com seu mar
encapelado
e bandeiras
em abril
(minha mãe na capitânea,
na janela
minha irmã).
Tantos anos
se passaram,
tantos
sonhos se esgotaram;
minha mãe
nos sustentava,
nos amava e
costurava,
nossa vida a
sua alma
como a roupa
que vestia.
Esta casa é
uma ruína
que dá pena
a seus vizinhos.
Sobem ervas
nas paredes
desta
casa-soledade
encolhida
pela vida
que dentro dela cresceu;
esta vida
que é poeira
esta vida
que é silêncio
esta vida
que é fechada
esta vida
que é goteira
nesta casa
condenada.
Esta casa
tinha escada,
esta escada
três degraus.
E no último
tropeçaram
estes sete
filhos seus.
Nesta casa
inda ressoa
o pigarro de
meu pai
(seu cigarro
era uma brasa
nessa noite
que o escondeu
de seus
filhos tropeçados
nesta vida
que os comeu).
Esta casa
vai cair!
Veio abaixo
nossa vida,
veio a
chuva, foi-se o sol;
a lama sobe
a escada,
às paredes
sobe o limo:
esta casa
enlouqueceu!
Nossa mãe se
ressequiu.
Sua vida é
esta máquina
que de surda
enrouqueceu
(único sinal
de vida
Que a escada
não desceu).
Mas é forte
esta sua lida,
sua máquina
que não pára
que nos cose
e nos trabalha.
•
Max Martins nasceu a 20 de junho
de 1926, em Belém, no Pará. Sua vivência com a escrita começa no jornal O Colegial
e nas colaborações com revistas como Encontro e cadernos de cultura como
Folha do Norte. Publica o primeiro livro, O estranho, em 1952. O
título abre uma rica obra que reúne ainda outras publicações como Anti-retrato
(1960), H’era (1971), O risco subscrito (1980), A fala entre
parêntesis (1982), Caminho de Marahu (1983) Para ter onde ir
(1992) e Colmando a lacuna (2001). O poeta morreu em Belém, no dia 9 de
fevereiro de 2009.
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